Comemora-se o aniversário de Ribeirão Preto em 19 de junho, porque nesse dia, no ano de 1856, o juiz José Rodrigues Mendes, da Comarca de Casa Branca, despachou favoravelmente ao pedido de demarcação de um patrimônio de terras doadas à Igreja por seis fazendeiros para a construção de uma capela dedicada a São Sebastião. O fabriqueiro da época, Manoel de Nazareth Azevedo, foi quem fez o pedido. “Fabriqueiro” era uma espécie de zelador ou responsável pelos bens da Igreja. 19 de junho? Mas há controvérsias!
Uma Lei Municipal, de nº 386 de 24 de dezembro de 1954, oficializou aquela data, 19 de junho, como a data da fundação, portanto, dois anos antes da comemoração oficial do 1º Centenário da cidade. A Câmara tomou essa decisão com base em um trabalho de pesquisa de Osmani Emboaba da Costa. Depois, ele publicou essa pesquisa, aprovada por uma banca de professores da USP, no livro “História da Fundação de Ribeirão Preto”. 19 de junho? mas há controvérsias!
O conceito de “fundação” sempre foi um problema
Havia outra proposta para a data de fundação e que acabou sendo rejeitada pela banca da USP. Era a do pesquisador Plínio Travassos dos Santos, que defendia o seguinte: “A rigor, pode-se considerar a fundação de Ribeirão Preto como tendo sido feita em 1863, data da escolha definitiva do local, feita pelo Pe. Manoel Eusébio de Azevedo para a edificação da capela que serviu posteriormente de primeira matriz, parecendo ser mero engano o “assentamento” do livro do Tombo da antiga matriz (conservado até hoje na catedral) quando diz que a ‘actual povoação teve início em 1853″.
O grande problema que envolvia essas prováveis datas de fundação era justamente o significado da palavra “fundação”. Muitas comunidades urbanas do Brasil marcam sua origem a partir de um ato administrativo ou jurídico que deu forma institucional à mesma comunidade. Pode ser a instituição da freguesia (que podemos entender a “paróquia” de hoje), da vila, da cidade, etc. Outras marcam a fundação com base no ato voluntário de alguns que doaram parte de suas propriedades para a formação de um patrimônio eclesiástico, onde construíram uma capela. Esta, sim, foi origem de muitas cidades brasileiras. Este foi o caso de Ribeirão Preto, pelo menos como entendeu Emboaba da Costa, chancelado pela Câmara Municipal. 19 de junho? Mas há controvérsias!
Ribeirão começou antes do se pensava
Depois de setenta anos, com a descoberta de novos documentos, podemos concluir que nem Osmani Emboaba da Costa nem Plínio Travassos dos Santos tinham razão. Acreditamos que, como a grande maioria das cidades brasileiras, Ribeirão Preto teve “formação espontânea”. Ao arrepio de atos administrativos e jurídicos, ela se fez espontaneamente, antes da construção da antiga capela da Praça XV. Do nosso ponto de vista, não cabe falar em uma “fundação”.
A documentação histórica pode muito bem refletir aquela formação espontânea. Na lista de qualificação eleitoral de São Simão de 1857, encontrada no Arquivo Público do Estado de São Paulo, exatamente o seu 22º quarteirão se chama “Arraial de São Sebastião”. É isso mesmo: em 1857, já existia o arraial. Portanto, se quisermos entender por “fundação” o momento e o lugar de origem de um aglomerado humano, que as autoridades viriam mais tarde a reconhecer como uma comunidade política, devemos recuá-la no tempo.
Precisavam de uma festa: o primeiro centenário seria uma boa pedida
O livro “História da História da Fundação de Ribeirão Preto” do arquiteto Ricardo Barros, lançado em 2006, esclarece bem essa questão. Nessa obra, ele interpreta corretamente um documento judicial que descobri no Fórum de Casa Branca, denominado “Ação de Desforço” de 1853. Neste documento se diz textualmente “construíram algumas pessoas do povo, não embargadas, uma capelinha e algumas casas no mesmíssimo lugar beneficiado e destinado para a povoação na Barra do Retiro”. Arraial de São Sebastião e Arraial da Barra do Retiro foi, sem dúvida alguma, os primeiros nomes de Ribeirão Preto. Assim, já existia por aqui uma povoação desde, pelo menos, 1853. E tinha razão a notícia do Livro do Tombo da antiga matriz, desconsiderada por Plínio Travassos dos Santos.
Outro grande mérito de Ricardo Barros é o formidável resgate que faz da “construção ideológica”, de quase setenta anos atrás, deste tema de fundação da cidade. Talvez esse não fosse o objetivo principal do autor, mas tenho certeza que foi assim também que a boa crítica recepcionou a sua obra. Barros organiza um levantamento minucioso de documentos particulares e oficiais da década de 1950, em torno da polêmica data de fundação da cidade. Esmiúça os argumentos contrários de Emboaba da Costa e Travassos dos Santos. Faz uma análise profunda mostrando limitações, insuficiências e sutilezas desses historiadores do passado.
Além disso, Barros não desconsidera os interesses do poder estabelecido cortejando a ciência (no caso, a História) na edificação da nossa cidadania. Depois da comemoração dos 400 anos da capital, afinal, a entourage política da época precisava de um fato marcante para demonstrar e confirmar a sua liderança em Ribeirão Preto. Não haveria outro melhor que o 1º Centenário. Assim foi feito!
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