No nosso último artigo, destacamos o nascimento de Jesus de Nazaré entre o Jesus histórico e o Jesus da fé. Queremos continuar hoje com a sequência daquela narrativa: a visitação dos magos que a liturgia católica comemora como Epifania, a primeira manifestação do Cristo aos não judeus. Em primeiro lugar, na Bíblia, somente o evangelista Mateus relata este episódio, no capítulo 2, versículos 1 a 12. Interessante perceber que, se somente ele fala dos magos, trata-se de uma tradição muito particular de um grupo do cristianismo primitivo. Por outro lado, muitos estudiosos colocam a redação final deste evangelho entre 75 e 115 d.C. 6 de janeiro: fé simbolismos e tradições no decorrer dos séculos!
Mitologia é parte integrante das escrituras sagradas de todas as culturas antigas
Antes de mais nada, segundo Mateus, os magos não foram reis, nem foram três. O texto simplesmente fala de “uns magos”. Esse número vem dos três presentes que eles deram para Jesus, citados por Mateus – ouro, incenso e mirra. A tradição associou cada presente a um mago, mas não há indicação de quantos eram. Não há nada que indica que eram reis. É apenas outra tradição que surgiu mais tarde. Do mesmo modo, nem sabemos seus nomes. Baltazar, Gaspar e Melchior são pura especulação. Nada se sabe sobre seu país de origem, nem o que fizeram depois de voltarem para casa.
Afinal, o que era um “mago”? Era um sábio que conhecia bastante de astrologia. Sabia também muito sobre a natureza, filosofia, magia e adivinhação. O rei da Babibilônica, por exemplo, chegou a nomear o profeta Daniel como chefe dos magos (Daniel 5, 11). Assim também, os magos conheciam as escrituras sagradas dos judeus e sabiam que o aparecimento surpreendente de uma estrela indicaria o nascimento de um grande rei deles. Sobre o fenômeno, outros dizem que seria uma conjunção entre os planetas Vênus e Júpiter em 4 a.C., citada em outros documentos da época. O que também é pura especulação para comprometer a ciência com a fé.
Simbolismo e fé se entrelaçam no decorrer da história
A matança dos inocentes, ordenada pelo sanguinário Herodes para aniquilar Jesus, dá sequência ao episódio dos magos. Nesse contexto, a fuga de Jesus, Maria e José para o Egito deu origem à devoção de Nossa Senhora do Desterro, protetora dos imigrantes. Dessa forma, todo este ciclo de acontecimentos em torno de Belém foi inserido no Evangelho de Mateus para comprovar o cumprimento de antigas profecias dos judeus. Não são fatos históricos. Pertencem ao Jesus da fé, da fé cristã. Destaco aqui a profecia de Miquéias 5, 1: “E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo”.
São narrativas marcadas por forte simbolismo que criou sentido para os primeiros cristãos e que, ainda hoje, dá sentido à vida de milhões que se pautam pela boa nova de Jesus de Nazaré. Vejamos o simbolismo dos presentes: a mirra, composto usado no embalsamamento, fazia referência ao sacrifício de Cristo e a sua ressurreição; o ouro representava a realeza de Cristo, ressaltando o fato que ele era o rei dos judeus; e o incenso, usado nos templos, era um presente exclusivo para os sacerdotes, reforçando, assim, a divindade de Cristo. Afinal, todo o simbolismo utilizado nos textos sagrados dos judeus e dos primeiros cristãos tinha o objetivo claro de reforçar a sua fé. 6 de janeiro: fé, simbolismos e tradições no decorrer dos séculos!
As religiões como parte do nosso patrimônio cultural
Durante a época medieval, outros ingredientes foram sendo acrescentados. A descoberta dos restos mortais dos magos na Pérsia por Santa Helena, mãe do imperador Constantino e o translado sem fim dessa relíquia até ser depositada na Catedral de Colônia pelo imperador Frederico Barba Roxa são alguns deles. Enfim, novos ingredientes que beiram a lendas e superstições que vão se misturando com a pureza da fé e da mensagem bíblica original. Tudo isso perfaz uma enorme riqueza de tradições culturais que não pertencem mais somente a uma comunidade espiritual, mas ao verdadeiro e grandioso patrimônio cultural da humanidade.
Prova disso é a nossa Folia de Reis, chamada também Reisado ou Festa dos Santos Reis, uma das mais emblemáticas festas do catolicismo popular do Brasil (ver https://bdm.unb.br/bitstream/10483/4450/1/2011_ValeriaSandraTomeSilva.pdf) Sua origem está associada à tradição cristã de origem ibérica, trazida para o Brasil no século XVIII, para relembrar a visitação dos magos ao menino Jesus. Por fim, quem não se lembra das noites mágicas da nossa infância, quando acordávamos ao som longínquo da folia de reis com o seu ritmo cadenciado bem característico? É o exemplo da fé, das tradições e dos simbolismos que se implicam e dão sentido à nossa caminhada rumo ao sobrenatural!
Foto: Três Reis Magos, mosaico da igreja de São Apolinário Novo, em Ravena, Itália, feita provavelmente em 565. É uma das representações mais antigas dos reis magos. Eles usam gorros frígios, chapéu originário da Ásia Menor.
O jornal TRIBUNA também publicou este artigo na sua edição do dia 31/12/2022.
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