Os anúncios de flexibilização das medidas de isolamento contra a Covid-19, feitos na última semana por vários governadores e prefeitos, estão ocorrendo na época em que há maior circulação de vírus respiratórios no país, segundo séries históricas do InfoGripe, sistema de monitoramento da Fiocruz. O Brasil está entre os países que não chegaram ao pico da pandemia, segundo a Organização Mundial da Saúde. Ninguém consegue negar isso, nem mesmo os mais ferrenhos defensores da flexibilização.
Do jeito errado na hora errada
Na última quarta-feira, atingimos o novo recorde no país. Foram 1.349 mortos em um único dia. O estado de São Paulo havia atingido 8.276 mortos com 123.483 infectados. Em Ribeirão Preto, os números podem parecer muito menores, mas estão em uma linha ascendente. Foram 1.119 infectados e 29 mortos até a última quarta. Isso pode refletir o sucesso das medidas de isolamento adotadas até agora, mas não autoriza, de forma alguma, afirmar que o pior já passou. Infelizmente, o pior não passou.
Para o InfoGripe, um dos fatores que devem ser levados em conta ao considerar o relaxamento das medidas de isolamento é, justamente, o número de novos casos. Se esse número ainda estiver aumentando ou mesmo se estabilizando, significa que o vírus ainda está presente. “Se ainda não começou a cair, é porque ainda não está sendo difícil para o vírus encontrar novos indivíduos para infectar”, avalia o coordenador do InfoGripe, Marcelo Gomes.
Dados de realidade
Outro fator a ser considerado para a flexibilização é a capacidade hospitalar para atender novos pacientes, afirma Gomes. “Se ainda não está numa fase de declínio, a gente não deveria falar em flexibilização do isolamento social, porque a rede hospitalar ainda está sobrecarregada e a gente ainda está com o vírus circulando”, avalia.
Os municípios brasileiros que reduziram o distanciamento social na última semana, entre os quais Ribeirão Preto, podem ter, em dez dias, um aumento de 150% no número de infectados e mortos pelo coronavírus. A projeção é de um grupo de cientistas de universidades de São Paulo, que alerta para o risco da explosão de casos de doença e morte por Covid-19. Falar isso não é espalhar o medo, mas alertar as pessoas e as autoridades que prezam a vida humana.
O especialista em modelagem computacional Domingos Alves, do portal Covid-19 Brasil, que reúne cientistas e estudantes de várias universidades, explica que as projeções são baseadas nos números oficiais e nas taxas de crescimento de casos registradas em cidades que afrouxaram o relaxamento, como Blumenau (SC) e Milão, na Itália, em fevereiro, o que levou a Covid-19 a explodir no país europeu em março. Em Blumenau, o número de infectados aumentou 160% cinco dias após a reabertura de shoppings e lojas de rua.
Um massacre anunciado
A flexibilização irresponsável esgotará os leitos disponíveis e levará ao caos. O único distanciamento que vemos neste momento é aquele de comitês científicos que assessoram as autoridades públicas. “O relaxamento social só tem motivação política. Não existe ciência nisso. Os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas terão um massacre” — afirma Alves, integrante do portal Covid-19 Brasil e líder do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.
Em Ribeirão Preto, pode não ser diferente. Pelo menos, foi o que vimos na última segunda feira, mesmo com a abertura controlada do comércio e com várias outras precauções. O calçadão parecia na semana de Natal. O transporte coletivo era uma verdadeira câmara mortuária. E tudo isso em meio à desinformação de muitas pessoas que parecem continuar acreditando que se trata de um resfriadinho. Toda essa tragédia não tem outro nome, apesar da dureza do termo: é genocídio.
Cuidemos da nossa vida
O que agrava a presente crise de saúde é a sua politização extrema. Temos uma profunda crise sanitária e política combinadas. Muitas autoridades fazem de tudo para ganhar dividendos eleitorais com suas posições e opiniões. E a pior e mais nefasta delas é a do presidente da república que se entrincheira no seu isolamento negacionista ao galvanizar a ignorância dos seus apoiadores que já partem até para manifestações nazistas diante do STF. Deixem as hienas uivarem. Cuidemos da nossa vida. Fiquemos em casa!
(Artigo originalmente publicado em 06/06/20 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)
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