Você duvida que, em muito pouco tempo, teremos mais mortes pelo Coronavirus no Brasil do que nos Estados Unidos? Então, só falta batermos este recorde também. E assim, no momento mais trágico da pandemia, aparecem os anjos da morte defendendo o direito aos cultos e missas como superior ao direito à vida. Entraram com ações no STF contra governadores e prefeitos que não fazem nada mais que sua obrigação de defender a vida de todos os seus concidadãos. Dessa forma, o caso foi levado ao STF na última semana e a maioria dos ministros votou pela constitucionalidade da suspensão temporária de cultos e missas. Venceu a Constituição! Venceu o federalismo! Venceu a saúde de todos!
O projeto religioso de assalto ao Estado
Antes de tudo, para as pessoas comprometidas com a democracia, uma coisa ficou muito clara. O projeto evangélico-fundamentalista de conquista do Estado deu mais um passo para impor sua ideologia teocêntrica sobre todas as pessoas, crentes e não crentes. Ou, pelo menos, mais uma tentativa que acabou derrotada no Supremo. Para isso contaram com o recém-chegado ministro Cássio Nunes, indicado por Bolsonaro, e que agora mostrou claramente a que veio. Ou seja, faz parte do jogo para implantar um agenda política conservadora, não importa o sacrifício de milhares de vidas.
Mas há outros aspectos trágicos dessa ópera genocida. O Procurador Geral, Augusto Aras, e o Ministro da Advocacia Geral da União, André Mendonça, querem ser mais realistas do que o rei. Ambos participam da jogatina de agradar o segmento evangélico-fundamentalista, e receber o apoio de Malafaia, Waldomiro, Edir Macedo, RS Soares et caterva, para engalfinhar uma vaguinha próxima no STF. A disputa entre eles está acirrada. A ponto de André Mendonça, na defesa das igrejas abertas durante a pandemia, citar, no STF, três versículos da Bíblia, mas não fazer nenhuma referência a nenhum artigo da nossa Constituição.
De maneira idêntica, o Procurador Geral, ao defender a sua brilhante tese de que “a fé também salva vidas”, afirmou que o “Estado é laico, mas as pessoas não são”. Para quem se preocupa com este assunto, como eu – fiz um doutorado na Universidade Metodista de São Paulo, estudando justamente o Estado laico, e estagiei durante seis meses no Groupe de Recherche Societés, Religions, Laicités (GSRL), em Paris – essa afirmação é de uma supina ignorância. Em síntese, o Estado tem a obrigação de ser laico exatamente para garantir a liberdade de todas as religiões, sejam elas quais forem. E também de todas as pessoas, mesmo de quem não quer ter religião alguma. Este é um pilar histórico da construção da democracia no ocidente. Só o energúmeno Aras não sabe disso.
Opiniões diametralmente opostas
Tento não generalizar. A princípio, não são todos os evangélicos nem todas as igrejas que participam desse projeto claramente antidemocrático de assalto ao Estado. Os que participam, eu os chamo aqui, com frequência, de fundamentalistas, talvez até por não encontrar outra expressão melhor. Tenho muitos amigos evangélicos com opiniões diametralmente opostas. Rendo-lhes homenagem, até pelo desconforto de serem muitas vezes e injustamente confundidos. E cito dois deles, já que o “lugar de fala” é tão requisitado ultimamente para perscrutarmos a genealogia do pensamento. Foi o que publicaram em suas redes sociais.
“Definitivamente, estou sempre descolocado do posicionamento da maioria dos evangélicos. Em um momento quando morrem mais de 4000 pessoas por dia, o papel da igreja seria incentivar seus fiéis a praticarem e fé, neste momento, em casa. Afinal, o ajuntamento de pessoas é irresponsável e coloca a vida de todos em risco. Eu estaria do lado de uma igreja perseguida pelo amor ao evangelho de Jesus e por vidas que o evangelho defende, não pela religiosidade que vincula a ida à igreja ou ao templo em um momento de tantos cuidados. Seja como for, as igrejas têm a sua responsabilidade nisso, são vidas que se amam e congregam juntas, tem que se cuidar!” – Elieser Pereira.
“Igrejas fechadas, neste momento de pandemia, é um dever cristão, prova de amor ao próximo, e algo absolutamente racional. Por outro lado, os cristãos precisam lembrar de uma passagem do evangelho que responde a quaisquer questionamentos dessa natureza. Jesus disse: ‘Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai’ (João, 4: 20-21). Portanto, adoração não depende de um lugar, o templo ou a igreja, mas de uma atitude, em espírito e verdade” – Virgílio Torres.
Elieser e Virgílio, recebam todo o meu carinho e admiração!
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