Foi há 18 anos. Em 02/10/2003, eu era vereador e apresentei à Câmara Municipal de Ribeirão Preto um projeto que previa a criação de um programa de distribuição gratuita de absorventes para mulheres que não tivessem condições econômicas de comprá-los. A princípio, ele recebeu o número 1276/2003 e era semelhante a estes que são discutidos hoje pela sociedade em nível local e nacional. Este resgate é necessário para não se perder o fio da História. De lá pra cá, o debate se ampliou e se qualificou, e essa justa reivindicação adquiriu importância fundamental nos movimentos de mulheres. Mas a tentativa de transformar em lei este direito tem esbarrado nos vetos do Poder Executivo, aqui e alhures.
Voltando ao nosso projeto, depois de um ano de tramitação, consegui urgência para a sua votação. Assim, mesmo com parecer contrário da Secretaria da Saúde, e também com um parecer inicial contrário da Comissão de Legislação, Justiça e Redação (CLJR), o plenário o aprovou na sessão do dia 10/12/2004.
Uma questão de saúde que vem de longe
Gostaria de lembrar parte da justificativa do projeto: “Sabemos de casos, em que adolescentes muito pobres utilizam pano usado para limpar chão como absorvente, devido a não terem condições de comprar absorventes todo mês. Sendo assim, diante de tal necessidade, apresenta-se o referido projeto na tentativa de colocar fim a este terrível problema, zelando pela saúde das nossas munícipes”. Na verdade, articulamos este projeto com a Casa da Mulher. Aliás, já tínhamos conseguido a aprovação de utilidade pública municipal para essa instituição, através de outro projeto da nossa autoria, um ano antes.
O prefeito Gasparini (PSDB) acabou vetando o projeto e a Câmara acolheu o veto na sessão do dia 05/03/2005. Afinal, haviam mudado o prefeito e a Câmara. Saíra o PT e entrara o PSDB. A CLJR, sob comando do PT, mudou o parecer de contrário a favorável, depois da derrota do seu candidato a prefeito, e enviou o projeto ao plenário. Em suma, deixou o ônus do veto para o novo prefeito.
Limites do Legislativo e jogo político
O interessante é que, depois de 18 anos, os argumentos são os mesmos. O Executivo veta a maior parte dos projetos de iniciativa dos vereadores por inconstitucionalidade, vício de iniciativa ou falta de previsão orçamentária. Isso mostra a grande limitação do Poder Legislativo, principalmente no município, mas revela também outras questões. Quero trazê-las ao debate, pois são oportunas. As bancadas femininas nos legislativos têm defendido muito bem esses projetos quanto ao mérito e não teria muita coisa a acrescentar. Por outro lado, discuto aqui a questão processual na relação entre Legislativo e Executivo.
Mesmo projetos, que a Câmara tranquilamente pode aprovar, dentro da sua competência legal, são vetados pelos prefeitos com o “carimbão” de sempre, independentemente de partido. Raramente quando a Câmara derruba o veto e a Prefeitura recorre ao Tribunal de Justiça, este dá ganho de causa à Câmara. Mas há casos em que a Câmara derruba o veto e a Prefeitura não recorre ao TJ. Em outras palavras, o prefeito lava as mãos. Por trás, jogadas políticas ou… incompetência de perder o prazo para vetar. Meu primeiro projeto, ao chegar na Câmara, foi promulgado pela Mesa Diretora por perda de prazo do Executivo para o veto. Guardo-o com imenso carinho! Ainda voltarei ao assunto.
A legalidade e a política
Percebe-se aí que há necessidade de se relativizar a denúncia de que a Câmara de Ribeirão é a mais inconstitucional do Estado, por aprovarem muitos projetos inconstitucionais. Reconheço que nas últimas legislaturas, a Câmara tem sido mais rigorosa e vem ocorrendo um número menor de vetos do Executivo.
Assim também nem sempre um projeto que deveria ser vetado, na verdade o é. Entram em cena os interesses políticos, alguns até escusos. A Sevandija poderia ter investigado a fundo a relação entre Executivo e Legislativo em Ribeirão Preto, através dos projetos de lei. Não o fez, sabe-se lá porquê. Enfim, iria encontrar “preciosidades”. Tanto hoje quanto no passado, o que prevalece mesmo é a vontade do prefeito e não o da Secretaria de Justiça. Vi na minha época, e ainda vejo hoje, projetos como o nosso serem aprovados pela Câmara e promulgados pelo Executivo. Ser da base ou ser da oposição, nesse momento, faz diferença. E muita.
São questões que, muitas vezes, passam longe do grande público, mas que vale a pena trazer ao debate. Este resgate é necessário para não se perder o fio da História. Por fim, isso demonstra que há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia!
O jornal TRIBUNA publicou originalmente este artigo na sua edição do dia 23 de outubro de 2021
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