O Natal se transformou em uma festa que mistura tradições de várias origens com um consumismo exagerado que vemos hoje. A princípio, as luzes, as compras, o jantar da empresa não nos deixam ver o mais importante: o Natal é a celebração do nascimento de Jesus pelos cristãos. Mas, se formos mais a fundo, vemos que sua origem vem das mais remotas crenças, às quais, ao longo dos séculos, foram se incorporando novas tradições. “Desde o Império Romano, o Natal tem sido uma disputa entre elementos religiosos e pagãos, entre festa e liturgia, que se prolonga até hoje nos nossos shopping centers”, como afirma Guillermo Altares, do El País.
Uma festa pagã que foi cristianizada
O solstício de inverno no Hemisfério Norte é a noite mais longa do ano, uma vitória simbólica do Sol contra a escuridão. Acontece entre 21 e 22 de dezembro e é comemorado desde tempos remotos. O historiador Richard Cohen relata, em seu livro “Perseguindo o Sol: a história épica do astro que nos dá a vida” que praticamente todas as culturas têm uma forma de celebrar esse momento. Além disso, Cohen ainda afirma que “o aparente poder sobrenatural para governar as estações, que se manifesta nos solstícios, inspirou reações de todos os tipos: ritos de fertilidade, festivais relacionados com o fogo, oferendas aos deuses”.
Nessa mesma época do ano, em meados de dezembro, os antigos romanos festejavam a Saturnália, festival religioso em que eles ofereciam presentes entre si, uma mistura entre nosso Natal e o Carnaval. Ramón Teja, professor de História Antiga da Universidade de Cantábria, na Espanha, especialista em história do cristianismo, afirma que “a data do Natal foi fixada em 25 de dezembro pelo imperador Constantino, porque nesse dia era celebrada a grande festa do Sol em Roma”. O imperador era filho do deus Sol. Foi, então, um arranjo político-religioso. Ocorreu, na verdade, uma fusão de um culto pagão com o culto cristão.
Um 25 de dezembro aleatório
Não existe nenhuma informação científica sobre a data do nascimento de Jesus. A maioria dos especialistas afirma que ele foi, de fato, uma figura histórica, mas o seu nascimento é um mistério. “O único dado histórico é que Herodes I ainda reinava, pelas informações dos evangelhos, de modo que o cálculo do ano zero estava errado. Para corrigir este erro; seria necessário adiantar quatro ou cinco anos”, explica Teja, já que Herodes, o Grande, morreu no ano 4 a.C. Assim, há um erro em nosso atual calendário. Assim, muito possivelmente, Jesus teria nascido no ano 4 a. C. O maior compromisso dos evangelistas é com a mensagem de Jesus e não com os dados da sua vida.
Sabemos que os evangelhos de João e o de Marcos, que é o mais antigo, nada falam do nascimento de Jesus. Eles iniciam o relato da sua vida quando já era adulto. A revista National Geographic publicou, em sua edição de dezembro de 2017, uma ampla reportagem sobre as informações arqueológicas sobre Jesus, com texto de Kristin Romey e fotos de Simon Norfolk, que se pronuncia no mesmo sentido. Enfim, podemos concluir que a escolha do dia 25 de dezembro é algo totalmente arbitrário. Ela tem a ver com as injunções políticas e religiosas do Império Romano, cerca de três séculos depois que Jesus viveu na Palestina.
Muito mais teologia do que história
“A Igreja da Natividade, em Belém, é o templo cristão mais antigo ainda em uso, mas nem todos os especialistas acreditam que Jesus de Nazaré tenha nascido em Belém. A arqueologia até agora não falou sobre isso”, escreve Romey. O relato da manjedoura e dos pastores aparece em Lucas; os Reis Magos, o massacre dos inocentes e a fuga de Jesus, Maria e José para o Egito, em Mateus. Afinal trata-se muito mais de uma interpretação teológica e muito menos uma narrativa histórica. O que Lucas e Mateus queriam dizer é que Jesus descendia da tribo do rei Davi, que tinha sua origem em Belém. Ele deve ter nascido mesmo em Nazaré.
Já a visita dos magos, na verdade sábios, só aparece em Mateus. Outra interpretação teológica e não histórica. Esses sábios têm uma função muito importante na tradição cristã porque, como explica Teja, “eles são pagãos, não judeus, e são os primeiros que o reconhecem como um descendente da linhagem de Davi, como rei e como deus.” De fato, os cristãos orientais comemoram o Natal em 6 de janeiro e não em 25 de dezembro. Isso tem a ver com as diferenças entre o calendário juliano e o gregoriano, mas também com o fato de que o Oriente manteve, durante séculos, a Epifania como o momento-chave dessa festa. Afinal, o Natal é a celebração do nascimento de Jesus pelos cristãos. É preciso que se faça este resgate.
Um feliz Natal e um ano novo de grandes realizações para todos os nossos leitores e amigos!
O jornal TRIBUNA publicou também este artigo na sua edição de 25 de dezembro de 2021
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