No festival de besteirol que acompanha a formação do novo governo de extrema-direita, estamos ouvindo verdadeiros desatinos que fogem por completo ao razoável. Uma delas é soltar aos quatro cantos que as ações do próximo governo não terão o viés ideológico como vinha acontecendo com os governos anteriores. O novo presidente insiste nessa premissa, especialmente nas pastas das Relações Exteriores e da Educação. Para ele e seus boquirrotos seguidores só existe ideologia de esquerda e prometem substituí-la pela angelical e imparcial atividade técnica nas ações políticas de governo. Passam a ideia, afeita aos ouvidos conservadores, de que não existe ideologia de direita. O demoníaco é a esquerda. E aí os evangélicos vão às alturas e os idiotas acreditam e festejam.
Não vamos entrar aqui nas discussões conceituais sobre “ideologia”. Vamos ficar apenas no óbvio. Paulo Freire, que agora eles querem por querem destruir, dizia que “não existe imparcialidade”. E sabemos que não existe mesmo. E completa: “Todos são orientados por base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou exclusiva?” Também sabemos que inclusão passa longe da cabeça dessa gente. Nem bem esta legião de néscios assumiu, os estragos causados já podem ser sentidos, principalmente nas relações internacionais. Eles não escondem o pretendido alinhamento com a extrema-direita internacional, seguindo o seu guru, o topeira de Donald Trump, mesmo assumindo o altíssimo risco de um isolamento internacional do Brasil, o que já foi até anunciado por importantes agências internacionais. O negócio deles é ser contra qualquer consenso.
Ameaçar transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, como fez Trump, não é se alinhar com a extrema-direita? Para agradar ao assassino Benjamin Netanyahu que dirige o Estado judeu, mas também a uma certa direita evangélica tupininquim que idolatra introduzir judaísmos por aqui. E as consequências são imediatas: ameaças de rompimento comercial dos países árabes o que pode levar as vacas pro brejo com grande prejuízo. E aí ruralistas? Olhem o besteirol. Sem falar nas prometidas políticas anti-ambientais que podem comprometer as nossas exportações de grãos para as nações mais civilizadas(!). Já suspendeu a Conferência do Clima que eria realizada aqui no ano que vem. E, conforme os novos mandatários, todas essas mudanças seguem um rígido critério técnico, sem nenhum viés ideológico. Me engana que eu gosto.
O novo Ministro das Relações Exteriores será alguém da carreira diplomática, um brilhante intelectual, segundo o novo presidente. Ele é um admirador de Trump e se chama Ernesto Araújo. Já tinham ouvido falar? A intelectualidade dele se tornou conhecida pelos ataques frenéticos à esquerda e ao PT. E teremos um técnico para comandar o Ministério… Ainda promete libertar o Itamaraty do que ele chama de “marxismo cultural”. É para dar boas gargalhadas. Acredito, com sinceridade, que este será o maior provocador de confusões do novo elenco. E confusões internacionais, é mole? Este sujeito tomou para si uma luta feroz contra o que ele chama de “globalismo”, um sistema mundial anti-humano e anti-cristão que pretende dominar o planeta, também dirigido pelo tal “marxismo cultural”.
Analistas afirmam que a escolha de Ernesto Araújo possui potencial foco de conflitos com outras áreas do próprio governo. A avaliação tem como base textos por ele publicados, nos quais Araújo expõe suas visões políticas estapafúrdias e ultrapassadas. E lembro aqui as considerações feitas esta semana pelo filósofo Bernard-Henri Lévy, o grande líder das manifestações de 68: “O mundo está assombrado com a incrível vulgaridade de alguns de seus comentários [do maestro de todo este besteirol]. É pornografia política. O mundo está estupefato”, repete com finíssima indignação parisiense. E resume a questão que mais escandaliza os cientistas políticos de todo o mundo: “E não venceu dando um golpe, mas através das urnas”. E conclui dizendo que quem perdeu as eleições no Brasil não foi a esquerda. Ainda bem. Mas foi a própria direita.