Uma coisa é a construção teológica sobre uma figura que se tornou referência fundamental para o Ocidente. Outra coisa é a investigação, sem nenhum compromisso religioso, na busca de se saber quem foi historicamente Jesus de Nazaré. Nesses dias em que se comemora o seu nascimento, sempre vem à baila o debate sobre o Jesus histórico e sua relação com o Jesus da fé. A princípio, descrever seu passado em detalhes é um desafio que resiste ao tempo. Sua história é formada por pouquíssimas informações comprovadas por cientistas ou especialistas. Assim, continua a busca incansável pelo Jesus histórico.
Um Jesus bem diferente do que a tradição nos transmitiu
Através da reconstrução facial de crânios encontrados na região onde Jesus viveu, os estudiosos afirmam como seria a sua provável aparência física. Diferentemente do homem branco, alto e de olhos azuis idealizado pelos artistas, o mais provável é que Jesus tenha sido moreno, de olhos castanhos, cabelo curto e estatura baixa: um judeu comum, como qualquer outro. Sobre seu local de nascimento, os evangelistas Lucas e Mateus afirmam que foi em Belém, para se conformar com a profecia de Miqueias. Mas as evidências atuais apontadas pelos especialistas não deixam dúvida que Jesus nasceu, de fato, em Nazaré, na Galileia, muito mais ao norte.
Circulou pelas redes, outro dia, que Jesus era palestino, no contexto atual da guerra entre Israel e o Hamas. Nada mais absurdo! Não existia, na época de Jesus, o povo palestino que conhecemos hoje. Os palestinos de hoje são árabes que Israel expulsou de seu território depois que a ONU criou o Estado Judeu em 1948. Em primeiro lugar, Palestina é uma expressão geográfica desde a Antiguidade e sua raiz etimológica provem dos filisteus, povo de origem mediterrânica que construiu suas cidades na região, como Asdode, Ascalom, Ecrom, Gate e a própria Gaza. Jesus era, sem dúvida alguma, um judeu do norte, da camada campesina pobre, excluída e desprezada pelas elites de Jerusalém.
É preciso discernir a teologia da história
“Acredita-se que Jesus só sabia falar aramaico e muito provavelmente era analfabeto”, diz André Chevitarese, professor do Instituto de História da UFRJ e autor de Jesus histórico: uma brevíssima introdução. Pode ser chocante, mas o hebraico, naquela época, já era uma língua restrita ao culto e às elites. O cristianismo que conhecemos hoje é um movimento posterior àquela época e muito moldado pela reflexão teológica. Seja como for, os evangelhos e outros escritos do Novo Testamento já foram resultado de uma reflexão teológica de várias comunidades de seus seguidores, bem posterior à sua vida e à sua pregação, com muito pouco compromisso com a sua historicidade (ver: https://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/406).
Sudário de Turim: certezas e controvérsias
Mais para o campo da ficção do que para o da história, coisas que teriam pertencido ou passado próximo de Jesus povoam a mente de muitas pessoas. Uma delas, talvez a mais famosa, é o Sudário de Turim, o manto que teria envolvido o corpo de Jesus morto. Atualmente, ele fica no altar-mor da catedral dessa cidade, equipada com controle de temperatura e vidro à prova de balas. A peça de linho retangular exibe manchas de sangue e vincos equivalentes a um rosto. Além disso, é o artefato mais bem documentado de todos, mencionado nos quatro Evangelhos e nos Livros Apócrifos, narrativas não reconhecidas canonicamente pala Igreja Católica.
Várias análises do manto comprovaram que o material realmente cobriu o corpo de um ser humano e que as manchas de sangue eram compostas por hemoglobina. Um estudo publicado pela revista científica Injury aponta que os ferimentos sofridos por esse indivíduo correspondem aos de uma crucificação. Apesar dos resultados, a data do manto — muito longe dos anos vividos por Jesus — ainda é um argumento ao contrário muito forte. Enfim, a aparição desses objetos, relacionados a períodos tão distantes, enfatiza o que estamos afirmando: continua a busca incansável pelo Jesus histórico.
Uma mensagem de Natal
Seja com o Jesus histórico, seja como Jesus da fé, este tempo de Natal e Ano Novo nos faz refletir sobre a mensagem por Ele deixada. E, sem dúvida alguma, é uma mensagem forte que nos leva a nos sentir mais humanos e ver a nossa humanidade na humanidade do outro. Somos todos irmãos de passagem nessa casa comum que é o nosso planeta. A mensagem de fraternidade do Nazareno transpassou séculos e ainda faz sentido para milhões de pessoas. Sigamos essa caminhada com a certeza de que o seu sacrifício não foi em vão. Feliz Natal e um Ano Novo cheio de grandes conquistas às nossas amigas e aos nossos amigos que nos acompanham, por aqui ou por outro de nossos canais!
O jornal TRIBUNA também publicou este artigo na sua edição do dia 23/12/2023
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