Estamos no período de uma das mais autênticas manifestações da arte popular entre nós. Refiro-me à Folia de Reis, chamada também em outros lugares de Reisado, Companhia de Reis, ou mesmo Festa dos Santos Reis. De origem ibérica, foi trazida pelos portugueses na época da colonização. Assim, ela permanece viva também em Portugal, onde a chamam de Reisada ou Reiseiros. Trata-se de uma manifestação de fortes raízes católicas, quando a liturgia da Igreja comemora a Manifestação do Senhor, ou seja, a revelação de Jesus como filho de Deus e Salvador, através da construção teológica da visita e adoração dos reis magos ao menino Jesus. É tempo da Folia de Reis!
Suas origens remotas
Outras teorias afirmam que ela surgiu no Egito, onde era considerada uma festividade em homenagem ao Sol Invencível, comemorada em 6 de janeiro. Depois, os romanos, que eram hábeis assimiladores das tradições de outros povos, transferiu essa festa para Roma, mas mudando a sua data para 25 de dezembro, devido a uma alteração de calendário. Houve, então, a cristianização dessa festa, quando a Igreja consagrou o 25 de dezembro como o do nascimento de Jesus. Está aqui a explicação do porquê boa parte das igrejas ortodoxas do Oriente comemora o Natal em 6 ou 7 de janeiro (ver https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2018-01/igrejas-ortodoxas-celebram-o-natal-em-7-de-janeiro.html ).
Autêntica manifestação artística do catolicismo popular
A Folia de Reis é, na prática, o cortejo de grupos que festejam o nascimento de Jesus com a sua cantoria peculiar, passando de casa em casa, onde esteja montado um presépio. Cada região do Brasil foi acrescentando elementos próprios à tradição original, existindo hoje uma enorme variedade de personagens, cores, enredos e ritmos. Até mesmo a sua época varia muito de lugar para lugar. Em alguns, inicia-se já em 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, e se estende até 6 de janeiro, dia de Reis. Em outros, inicia-se no Natal e se estende até 20 de janeiro, dia de São Sebastião. Sempre de acordo com o calendário católico. É tempo da Folia de Reis!
Ela utiliza vários instrumentos que vão desde violas, violões e cavaquinhos até acordeons, reco-recos e pandeiros. As canções lembram a visita dos magos para levar ao menino Jesus seus presentes de ouro, incenso e mirra. Ela revela a combinação de duas figuras da teologia: a Epifania, a primeira manifestação de Jesus entre os não judeus, e a Hierofania, manifestação do sagrado em objetos, formas naturais ou pessoas. Assim, reúne elementos sagrados e profanos. O catolicismo popular mantém viva essa junção, que desaparece em outras religiões cristãs que abolem, por completo, o profano, com essa sua separação radical entre os convertidos e o mundo.
Inquestionável beleza e riqueza artística
A devoção aos magos vem desde a Europa medieval, quando ocorreu o translado, para a Catedral de Colônia, dos supostos restos mortais dos três reis, como despojos de guerra, pelo imperador Frederico Barba-Ruiva. Eles estavam em Milão, para onde haviam sido levados como presente da rainha Helena de Constantinopla no século V. A partir de então, começaram os registros iconográficos dos Reis Magos em quadros, retábulos, sarcófagos, etc. Colônia se transformou em um centro de peregrinações e, assim, se popularizou a festa dedicada aos Santos Reis que se espalhou por todo o continente.
Foi no contexto de romarias a Colônia que surgiram cânticos populares e alegres chamados de Noels na França e Villancicos na Espanha. Em Portugal sofreram a adição do teatro de Gil Vicente, e, no Brasil, de Anchieta e Manoel da Nóbrega, servindo de base às manifestações existentes no Brasil até hoje. Além dos instrumentistas e cantores, os grupos muitas vezes se compõem também de dançarinos, palhaços e outras figuras devidamente caracterizadas, segundo as tradições locais. Todos se organizam sob a liderança do mestre da folia ou embaixador, e seguem os passos da bandeira ou do estandarte, cumprindo rituais tradicionais de inquestionável beleza e riqueza artística. É tempo da Folia de Reis!
Há 30 anos, encontro de foliões em Ribeirão Preto
Como várias outras tradições populares, a Folia de Reis resiste para sobreviver. Quero, com este artigo, prestar uma homenagem à incansável Carmen Luiza Rezende, a nossa querida Carminha da Cultura que não mede esforços para manter viva entre nós, em Ribeirão Preto, o encontro anual das folias de reis. Esta acontece sempre em janeiro, na Praça José Rossi, na Vila Virgínia. Este ano será a 30ª edição. Estaremos lá na trincheira desta resistência! Todos estão convidados!
Foto: Paulo Nabas / Shutterstock.com
O jornal TRIBUNA também publicou este artigo na sua edição do dia 06/01/2024
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