O crescimento de abstenções e de votos brancos e nulos é um fenômeno nacional e não apenas de Ribeirão Preto. Isso reflete, antes de mais nada, a decepção, a frustração ou a alienação, como queira, em relação à política. Por que muitos eleitores se recusam a escolher alguém para ocupar os espaços de poder? Antes de tudo, porque não confiam em mais ninguém para representá-lo e porque questiona a própria forma como este poder é exercido por quem quer que seja. O que está em jogo é a democracia representativa.
Afinal, onde está a raiz do problema, se este é um problema para a democracia? Está no eleitor ou no sistema político? Acredito que em ambos! Valeria uma tese, mas não é o caso de se aprofundar tanto aqui. Abstenções e votos nulos e brancos sempre existiram e até fazem parte da democracia. São opções do eleitor. O que chama a atenção é o seu crescimento recente, o que pode ser observado nas últimas eleições e, neste ano, deu um verdadeiro solavanco nas expectativas. O que está em jogo é a democracia representativa.
A recusa ao voto é uma grave ameaça à democracia
Em Ribeirão Preto, 33,51% do eleitorado não votou no primeiro turno este ano. Esta proporção pulou para 37,64%. Foram números recordes para a história das eleições na cidade, e um recorde também em termos nacionais este ano. O que está em jogo é a democracia representativa. E todo mundo viu o esforço enorme do então candidato Ricardo Silva e seus apoiadores em implorarem aos eleitores que fossem votar no segundo turno. É que eles sabiam perfeitamente o que poderia acontecer. E quase aconteceu. A maior assiduidade dos eleitores estava justamente entre os classe média alta e classe média média, justamente o eleitorado mais conservador e mais propenso ao bolsonarismo e, portanto, ao candidato Marco Aurélio. Em relação aos votos brancos, os números se inverteram. Foram de 19.407 (6,11%) para 11.466 (3,85%), e os nulos, de 32.972 (10,38%) para 24.215 (8,13%).
Ricardo Silva foi eleito por 131.421 votos. Abstenções, brancos e nulos no 2º turno foram 215.440 votos, ou seja, 47% de todo o eleitorado. 346.174 eleitores não votaram em Ricardo Silva no segundo turno. Ele foi eleito por cerca de apenas 30% dos eleitores. Esses números devem preocupar qualquer cidadão interessado no fortalecimento da democracia. Estamos falando da eleição para prefeito. Se formos falar da eleição para vereador, as questões são outras, mas igualmente preocupantes.
A burocracia é pra dificultar a livre escolha do eleitor
Se o eleitor comum se recusa a cumprir um rito da democracia liberal e representativa, você, caro eleitor, não imagina o verdadeiro calvário em que tem se transformado uma campanha eleitoral para um candidato a vereador. Digo isso porque fui candidato a vereador e sofri na pele uma verdadeira tortura por parte de toda burocracia e decisões jurídicas e políticas (posso falar em perseguição? Alguém já me alertou!) que, tudo indica, eram para dificultar a livre escolha pelo eleitor. Não havia outra razão! Ainda vou escrever muito sobre isso nos meus próximos textos. Vou revelar questões que você nunca imaginaria que pudessem acontecer dentro de uma “democracia”. Já passo a escrever democracia entre aspas. O que está em jogo é a democracia representativa.
Mas voltemos às eleições para prefeito em Ribeirão Preto. Vejamos agora os resultados. Ricardo Silva obteve apenas 2.955 votos a mais no 2º turno em comparação com sua votação no 1º turno (foi de 128.466 para 131.421 votos). Seu adversário, Marco Aurélio, passou de 66.136 votos no primeiro turno para 130.734 votos no segundo, quase dobrando sua votação. A diferença foi de apenas 687 votos. Foi quase outro recorde. Parecido foi quando Gasparini venceu Paulo Gomes Romeo por 343 votos em 1963. Mas o que aconteceu agora?
A maioria dos votos de Roque não foi para Marco Aurélio: que isso fique bem claro!
Ricardo não quis nenhuma aproximação com a esquerda no segundo turno. Deixou isso claro, inclusive quando denunciou, nos debates, que o candidato a vice na chapa de Marco Aurélio já havia sido filiado ao PT. Uma filiação partidária como denúncia… Ironia do destino: presumo que a grande maioria dos 40.551 votos de Jorge Roque (PT) foi para Ricardo Silva no segundo turno. Lembrando que esta foi a maior votação de um candidato do PT desde 2012.
Também não vi nenhuma campanha de voto nulo dos apoiadores de Jorge Roque no segundo turno. Vi, sim, algumas poucas declarações de voto nulo que respeito, mas não concordo. Lembrando também que votos brancos e nulos diminuíram do primeiro para o segundo turno. Também não houve grande impacto dos votos de Jorge Roque na abstenção no segundo turno, abstenção essa que, como já vimos, aumentou em cerca de 4%.
É muita ironia do destino
Ricardo colou a sua imagem à do governador Tarcísio. O mesmo Tarcísio que foi pra Belo Horizonte apoiar o candidato bolsonarista raiz Bruno Engler (PL) contra o candidato do partido do Ricardo – PSD – Fuad Noman, que acabou reeleito. Vai entender… Coisas da política… Mais uma ironia do destino: os votos da esquerda aqui foram mais decisivos para a eleição do Ricardo do que o apoio do governador.
A grande migração dos votos bolsonaristas de Ricardo para Marco Aurélio teve razão de ser. O Marco Aurélio trouxe para apoiá-lo o governador Zema (poderia ter sentido, pois são do mesmo partido- o Novo), o Dallagnol e o Ricardo Salles. Pesquisem a votação do Ricardo Salles para deputado federal em Ribeirão Preto. A ACI fez um belo trabalho. Presumo que Ricardo perdeu cerca de uns 30% dos seus votos do primeiro para o segundo turno. Que os votos de André Trindade (29.115) se transferissem para Marco Aurélio já era mais que o esperado. Mas os votos do Jorge Roque para onde foram? Para Ricardo Silva na sua grande maioria.
Apoio crítico pode decidir uma eleição, como decidiu!
Para garantir a governabilidade, não basta ter o controle total da Câmara como Ricardo conseguiu. Aliás, uma Câmara, cuja qualidade política deve ser pior do que a que sai. A conferir. Ficou claro que Ricardo tem mais de dois terços da cidade que não o apoiou na eleição, boa parte disso encastelado na “zona sul”. Obteve, no entanto, o apoio crítico de uma parcela inteligente da sociedade, porque sabe que a estratégia na política, às vezes, mais vale que um horizonte distante. Foi o que lhe garantiu a eleição.
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