A Casa das Artes nasceu em 2010 e rapidamente tornou-se um ponto de encontro de artistas e interessados em cultura. Hoje também é a sede coletiva de vários grupos de teatro e de outras artes. É um espaço para estudo, pesquisa e integração das artes em geral, levando a oportunidade do convívio artístico para a comunidade através de cursos, oficinas, espaço de criação para grupos e programação cultural diversificada. O professor José Antônio Lages foi até lá e entrevistou Flávio Racy, fundador e coordenador da Casa das Artes.
(Entrevista publicada em 19/07/2019, no jornal Tribuna, de Ribeirão Preto)
Professor Lages – A Casa das Artes teve uma grande atuação como ponto de cultura. Como você analisa a trajetória da Casa das Artes depois de terminado o convênio entre a Prefeitura e o Ministério da Cultura?
Flávio Racy – Foram três anos de diferentes atividades e fomos consolidando a nossa cara como espaço de cultura independente aqui em Ribeirão. Quando o convênio terminou, a Casa já era um coletivo de artistas e de grupos com um belo histórico de atividades relacionadas ao espaço, alcançando um grande reconhecimento. Isso foi se transformando ao logo do tempo. A história da Casa acompanhou um pouco o que foram as políticas públicas relacionadas ao poder público nas suas três esferas. Isso nos impactou fortemente em um período recente em que se observou o rebaixamento da cultura e, mais recentemente, com uma política clara de perseguição aos movimentos culturais. São dificuldades que vão desde suporte às atividades culturais com a ausência de políticas públicas de cultura até dificuldades de formação de público. A Casa das Artes está em seu terceiro endereço. Começou na Avenida Caramuru, depois foi para o Sumarezinho onde ficou dois anos e meio. Lá tentamos trazer os moradores para dentro do espaço. Tivemos nisso um sucesso parcial. Como a Casa nunca teve um foco comercial, mas sim de fomento da cultura e da arte, acabou ficando muito pesado para nós. Então, viemos parar aqui, na Duque de Caxias, 141, pela necessidade de reduzir custos.
Flávio, e os grupos que, à época, estavam sediados na Casa das Artes? Eles continuam aqui neste espaço? Como está esta articulação dos grupos das mais diversas modalidades artísticas?
Alguns continuam. Outros não. Houve um momento de dispersão, com cada um seguindo seu caminho. A necessidade de se readaptar para conseguir se manter fazendo o mesmo trabalho de antes exigiu muitos ajustes. Alguns remanescentes do Sumarezinho se encontram aqui, mas chegaram também pessoas novas. O espaço aqui é menor, estamos com menos gente, menos grupos, alguns antigos e outros novos.
Sobre as políticas públicas de cultura na atual gestão municipal, existe alguma luz? Como está a relação dos grupos com a Secretaria da Cultura?
Na minha visão, a gestão de cultura no município não é algo de interesse do poder público. Na atual gestão, não existe o interesse de incentivar a cultura, principalmente aquela cultura feita nas ruas, feita nos bairros, pelos grupos e artistas independentes. A cultura que eu defendo foge de uma visão mais elitizada e mesmo essa cultura de elite, que se relaciona com qualquer gestão, com esta agora parece estar tendo dificuldade. A Secretaria da Cultura me parece bem abandonada, quase querendo que se fechem as portas. Tivemos no ano passado seleção de projetos para o aniversário da cidade, oficinas para o Centro Cultural Palace, mas no modelo de contratação por pregão que não tem nada a ver com ambiente e o fazer da cultura. Eu não reconheço a existência de um diálogo entre a prefeitura e quem produz cultura em Ribeirão. O momento hoje é de resistência. Com a Casa das Artes é a mesma coisa, estamos na resistência.
Como vai esta resistência? Dá, pelo menos, para respirar?
Hoje estamos com uma programação na Casa das Artes que inclui apresentações, oficinas, cine-clube, temos parcerias legais como apresentação todo mês de música autoral. Também todo mês, temos bate-papo sobre temas da atualidade. Já tivemos aqui especialistas falando sobre Reforma Trabalhista, Reforma da Previdência, Ditadura e Racismo e encarceramento em massa. Enfim, mantemos o espaço aberto como forma de resistência, pois mesmo vindo para cá como forma de reduzir custos, ainda assim o espaço não se mantém.
Flávio, mas esta resistência tem também um conteúdo político muito explícito. Os movimentos culturais independentes estão vivendo um clima pesado com o atual governo Bolsonaro. Este panorama geral também impacta vocês aqui?
Foi construída uma narrativa contra artistas e agentes de cultura nos últimos três anos. Isso vem não apenas do Governo Federal, mas do estadual também. E no município, desde o final da gestão da prefeita Darcy Vera. No início do governo Darcy, até que se investiu bastante na cultura, mas, já no segundo mandato, foi construída uma política de desmonte da cultura que se concretizou no atual mandato do prefeito Nogueira. Não temos uma população que foi educada para buscar cultura, mas que consome apenas a cultura de massa da indústria cultural. Não somos trabalhados para o teatro, a dança, o circo, museus, exposições. Agora, com a manipulação política explícita e com a criminalização dos artistas e movimentos culturais, a população vem comprando este discurso. Frequentar espaços de resistência é estimular a cultura independente e isso logo é rotulado como pernicioso. Estamos na resistência.
E em relação ao último edital dos pontos de cultura do Estado? Você esteve no semestre passado atuando pela Secretaria de Estado da Cultura como agente mobilizador na Região Administrativa de Ribeirão Preto. Conta para gente como foi este processo.
Nossa função era mapear entidades e coletivos da região, divulgar o edital e auxiliar na participação. Este trabalho se desenvolveu de agosto a dezembro, período de vigência do edital. O resultado saiu em janeiro deste ano. Muitos bons projetos de Ribeirão e região foram selecionados. Mas agora está parado, ainda não saiu o repasse dos recursos para os projetos selecionados. Houve questionamentos do processo de seleção, o que tem entravado o a homologação do resultado.
E o Conselho Municipal de Cultural? Como anda? Você é membro do Conselho?
Sim, estou no Conselho. A minha sensação é que o Conselho de Cultura também está na resistência. Estamos lá para não deixar morrer. O Conselho tem o papel de fazer uma ponte entre sociedade civil e poder público, propondo e aprovando políticas, fiscalizando, orientando os grupos. Mas com uma secretaria que não tem recursos para nada, que não tem estrutura, que não tem equipe, que não tem respaldo político dentro do próprio governo municipal, eu pergunto: para que existe um Conselho? Não temos nem o que fazer… Mal existe um diálogo construtivo com a Secretaria da Cultura e com o governo. O Conselho replica um pouco o que parece ser a Secretaria. Deixaram a secretaria em uma situação de que não precisaria existir. Estamos mantendo o Conselho ativo como uma forma de resistência.