A eleição do último dia 30/10 foi “uma das voltas ao poder mais espetaculares já feitas em uma potência do tamanho do Brasil”, assim se referiu o jornal francês Le Monde. Antes de tudo, foi um “alívio global”, reconheceu o mesmo periódico. Prova disso foi o rápido reconhecimento da vitória de Lula, como fizeram os presidentes dos EUA e da França, dentre inúmeros outros mandatários. Mesmo assim, o futuro presidiário levou dois dias para reconhecer a vitória do adversário com um tosco discurso voltado, mais uma vez, para agradar o seu cercadinho. A Democracia demitiu Bolsonaro!
Campanha deletéria mas, agora, esperança no futuro
A História irá registrar a última quadra como um mandato presidencial de incompetência, ódio e mentiras, exemplificado pelo tratamento insensível da pandemia, o saque da Amazônia, ataques à democracia e uma sequência constante de declarações e atitudes misóginas, racistas, sexistas e homofóbicas. “Acabou!” Antes de mais nada, não deixará saudade. Este foi o governo mais desastroso de toda a nossa história. Da mesma forma, a campanha para a tentativa de reeleição foi a mais deletéria, sórdida e virulenta de que se tem notícia. Mas a Democracia demitiu Bolsonaro!
Apesar de tudo isso, do outro lado, só muita esperança e confiança no governo do presidente eleito! Temos plena consciência de que a vitória de Lula foi muito mais ampla do que uma vitória apenas do PT. Sua necessidade já se configurava na própria composição da chapa e na articulação dos partidos, movimentos e setores diversos da sociedade desde o primeiro turno. Para a vitória no segundo turno, foi necessário e urgente ampliar este arco de alianças. A reconstrução do país será uma tarefa muito difícil e, exatamente por isso, há necessidade de “estar junto com os divergentes para combater os antagônicos”. Nunca essa máxima de Paulo Freire foi tão atual. Viva Paulo Freire!
Tarefa imediata: desconstruir o bolsonarismo
No primeiro pronunciamento que fez após a vitória, Lula deixou claro que vai governar para todos e não apenas para os mais de 60 milhões de brasileiros que o elegeram: “a partir de 1º de janeiro de 2023 vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”, disse. O presidente eleito acertou ao propor o fim dos muros e a construção de pontes: “este país precisa de paz e de união. Esse povo não quer mais brigar. Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído”. A Democracia demitiu Bolsonaro!
Esmagamos a besta do Apocalipse na eleição, mas o Apocalipse vai continuar. Prova disso foi o Capitólio dos caminhoneiros que se seguiu à eleição. Igualmente, haverá outros Capitólios até a posse de Lula e mesmo muito tempo depois. Algumas bestas menores assumiram posições de destaque no Congresso e em alguns estados. Elas vão continuar alimentando a mentira e o ódio. Como bem nos lembrou Fernando Cássio, doutor em Ciências Moleculares pela USP e professor da UFABC, “a derrota eleitoral de Bolsonaro é apenas o começo”. Afinal, temos pela frente uma tarefa que nos exigirá uma resiliência muito maior: desconstruir o bolsonarismo incrustado como um câncer na sociedade. E essa é uma tarefa mais dos setores progressistas da sociedade do que apenas do futuro governo.
“A derrota eleitoral de Bolsonaro é apenas o começo”
E mais uma vez, podemos recorrer a Paulo Freire. O ódio e os projetos odiosos do bolsonarismo também se combatem com aquela justa raiva que ele reivindicava o direito de sentir. É tempo de frentes amplas, de alianças pragmáticas e de suspender rivalidades em favor do objetivo comum de derrotar o fascismo em todos os lugares onde ele apareça. É preciso manter altos os nossos níveis de indignação contra o que esse projeto nojento tem provocado nos mais diferentes cantos. E como concluiu Fernando Cássio em seu artigo para a CartaCapital, “pois bem, o nosso desafio histórico é fazer com que o nosso bando seja sempre maior e mais revoltado que o dos fascistas. A derrota eleitoral de Bolsonaro é só o começo”.
Este artigo também foi publicado no jornal TRIBUNA na sua edição do dia 5 de novembro de 20222
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