A escolha dos novos membros dos Conselhos Tutelares aconteceu em Ribeirão Preto no domingo, 6 de outubro. Foram eleições unificadas em todo país e as primeiras sob um governo de extrema direita. A responsabilidade pela sua preparação e organização cabe ao Ministério Público e aos Conselhos Municipais de Defesa da Criança e do Adolescente, contanto com a infraestrurura de apoio das prefeituras. Refletindo um contexto de polarização política, percebeu-se este ano uma maior mobilização promovida pelos candidatos e seus apoiadores, bem como um engajamento maior de movimentos e entidades sociais.Esta eleição traduziu a disputa que existe hoje na sociedade brasileira.
Os Conselhos são órgãos da sociedade encarregados de fazer cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), arcabouço legal introduzido no Brasil em 1990 dentro do conjunto de valorização de direitos garantidos pela Constituição de 88. Eles são órgãos colegiados, isto é, formados por conselheiros tutelares eleitos pela população para um mandato remunerado de 4 anos. Eles são mantidos pelas prefeituras e os conselheiros trabalham junto com o Ministério Público e com a Justiça em todos os assuntos relacionados aos direitos das crianças e adolescentes, como educação, saúde, relação com a família, infrações penais, direito à moradia, à segurança, ao lazer, etc.
A marca registrada dessas eleições em Ribeirão tem sido a desorganização, a falta de fiscalização, denúncias de manipulação, longas filas, reclamações de candidatos e eleitores. Como bem disse Paulo Honório, do Blog “O Calçadão”, “ é preciso repensar o modelo dessas eleições. É preciso investimento do poder público para o exercício adequado da democracia. E há também o desafio do campo democrático e popular em voltar a ocupar o espaço desses conselhos da sociedade civil”.Não é de hoje que as eleições para os Conselhos Tutelares têm sido um momento de disputa, envolvendo principalmente entidades e movimentos sociais bem como grupos ligados a igrejas e partidos.
Por ser o ECA uma legislação relacionada à garantia de direitos prevista na Constituição de 1988, a disputa em torno das vagas nos Conselhos Tutelares tem ganhado cada vez mais importância frente o crescimento de posições reacionárias, de extrema-direita, Religiosos fundamentalistas e obscurantistas de todo tipo que defendem até mesmo a extinção do próprio ECA. Uma dessas forças é a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), do bispo Edir Macedo. Nas últimas eleições, esta denominação neopentecostal tem agido de maneira orgânica e estruturada na eleição de vagas de conselheiros tutelares e este ano se tornou aliada do bolsonarismo, força de extrema direita, fortalecida nas eleições do ano passado.
Aqui este ano em Ribeirão não foi diferente. Os candidatos com uma visão progressista foram apoiados por movimentos sociais das mais diversas causas, grupos católicos e setores de esquerda. Outros candidatos, com uma visão conservadora, foram apoiados por alguns grupos evangélicos, como a IURD, e por vereadores da direita. O resultado mostrou um claro avanço das forças progressistas, refletindo o que ocorreu na capital, onde quase metade dos conselheiros eleitos se alinham às ideias mais avançadas. Parece que, enfim, uma parte mais esclarecida da sociedade se despertou para o óbvio: cabe a ela barrar o avanço das forças reacionárias que tentam ocupar os espaços democráticos para enterrar a própria democracia.
De qualquer forma, ainda fica uma pergunta: o que farão nos conselhos tutelares aqueles candidatos eleitos pelos grupos religiosos, cujos bispos e pastores apoiaram a eleição de Bolsonaro e continuam abençoando o seu governo retrógrado e desastroso para os interesses populares? Gostaria de lhes perguntar: vocês vão também “jogar o ECA na latrina”, como prometeu Bolsonaro na campanha eleitoral? Farão o mesmo? Simples assim. Uma questão de coerência. Uma questão de transparência.
(Texto originalmente publicado em 12/10/19 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)