A única novidade que o atual governo de extrema-direita trouxe até agora para a educação básica do país é a militarização das escolas. E que péssima novidade. Como já dissemos aqui nesta coluna, a educação é a grande arena de batalha criada pelos grupos conservadores da sociedade para fazer valer sua ideologia retrógrada e impor sobre todos nós uma conduta que a eles parece a única adequada do ponto de vista da sua “moral e bons costumes”.
Depois de tentar, sem sucesso, por via legislativa, intervir nas escolas com projetos como a “escola sem partido” e outros congêneres, já que foram barrados pelo Ministério Público e pelo Judiciário, os grupos conservadores tentam agora através do próprio executivo federal com o projeto das escolas cívico-militares proposto por Bolsonaro. Mas não é novo este projeto. Em Goiás ele já vem de alguns anos com o PSDB e no Distrito Federal foi implantado este ano, nos primeiros meses do governo Ibanez, do PMDB.
O seu argumento parte de uma lógica de intervir em territórios vulneráveis. O objetivo é resolver a violência, e para isso é preciso inserir a comunidade escolar no medo. Ainda mais em um momento em que uma onda conservadora de moral barata ganha a narrativa. E utilizam, como também já dissemos aqui, de instrumentos democráticos para abafar a própria democracia. A decisão de militarizar ou não uma escola é sempre tomada por uma assembleia de pais e mães.
Para pais e mães, pode parecer ser a saída para uma boa educação – e é aí que mora o problema. Há uma clara diferença entre um colégio militar e uma intervenção militar ou militarização de uma escola. Eles se iludem imaginando que seus filhos vão receber a qualidade de ensino de um colégio militar. Quem entra em um colégio militar já sabe, de antemão, o que vai encontrar. Ele é destinado aos filhos de oficiais e tem como critério uma
prova de seleção que reproduz privilégios.
Um colégio militar é como um funil, onde só entram aqueles que já possuem um forte pré-requisito de conhecimentos. Além disso, os colégios militares recebem quase três vezes mais recursos que as demais escolas do ensino regular público. Tudo isso dificulta a comparação e põe em dúvida sua efetividade, uma vez que dispõem de uma estrutura que não é a realidade da educação pública brasileira. Tal projeto, para enganar os incautos, ainda se camufla sob belas denominações, como “gestão compartilhada”.
Trata-se, na verdade, de uma intervenção autoritária e anti-democrática, ferindo leis já existentes, como a Lei de Diretrizes e Bases, sem diálogo sincero, amplo e aberto com todos os envolvidos. Estes apoiam porque estão tomados pelo medo e pela ilusão de uma pretensa qualidade de ensino. Ilusão como observamos no voto na extrema-direita na eleição passada. E, agora, fica até parecendo que sobram efetivos da PM para cuidar das
nossas escolas. A educação pública é de responsabilidade das secretarias de educação, e não da PM.
Ter policiais na gestão é sim um desvio de função, uma vez que muitos sequer têm formação pedagógica para lidar com a diversidade que existe na sociedade. A balela da gestão compartilhada joga no lixo as APMs (associações de pais e mestres), os conselhos escolares e os grêmios estudantis. Impõem um único estilo de comportamento, com corte de cabelos e vestimentas que inibem a individualidade de cada um, a pluralidade dos indivíduos. As professoras e os professores já fazem todo um trabalho para empoderar a população negra a aceitar seu black. Agora, querem raspá-lo.
Surfando na onda conservadora, o prefeito Nogueira se colocou na frente e pleiteou logo três escolas deste modelo para Ribeirão. De forma açodada, pais e mães foram chamados para decidirem sobre a militarização das escolas onde estudam seus filhos na rede municipal. Os familiares nunca são chamados para nada, mas o governo queria dar um “ar de democracia”. Em duas das escolas, foi aprovado o projeto. Mas acontece que a adesão depende do Governo do Estado e, de acordo com a Secretaria Estadual de Educação, o governo perdeu o prazo porque não havia entendido bem a proposta.
(Texto originalmente publicado em 26/10/19 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)