Foi ainda na época do Cassino Antárctica em Ribeirão Preto, frequentado pelos coronéis do café, que o Sr. Irineu Ferreira comprou um sítio às margens do córrego do Tanquinho. Muito tempo depois, com a urbanização chegando, um dos seus filhos, Álvaro Benedito Ferreira, instalou por ali uma empresa para vender extintores de
incêndio.
O lendário François Cassoulet não poderia imaginar que, um século depois de suas estripulias, iria surgir naquele lugar um ambiente de lazer e cultura nada convencional para o início do século XX ou até mesmo para os dias de hoje, a começar pelo nome: Fábrica de Extintores!
Pois é. Foi em meio a um papo super agradável (e observado pelos olhinhos atentos do pequeno Pedro) que entrevistei recentemente os protagonistas deste que é um dos recantos mais procurados nas noites ribeirãopretanas, Cléber Sberni Jr., Fabiana Sberni, José Rubens Sales e Rodrigo Teixeira.
O número 2151 da rua Flávio Uchoa 2151, nos Campos Elíseos, é quase um paraíso a céu aberto, com muito verde, espaços largos, lugar ideal para um papo descontraído, fazer amizades e se encantar com a arte. Mas vamos à entrevista.
Professor Lages: qual é o foco aqui? A gente percebe que vários espaços de lazer em Ribeirão funcionam como centros de cultura, quase “pontos de cultura”. Aqui também é assim?
Fabiana: mais ou menos isso. O foco aqui é a cultura, não é a balada. Na nossa página da internet falamos de música, arte, amigos, porque o foco principal é a música, e aí a gente vai para as outras artes. Já aconteceu aqui muita exposição de artistas plásticos, espetáculos de dança e teatro. É aberto para as artes, mas a música é o mote principal porque as pessoas saem à noite para ouvir uma banda e aí a coisa rola
Mas o que predomina no palco? É rock´n roll, MPB, samba?
José Rubens: vejo que a gente faz muito rock aqui. Como tenho uma boa rede de pessoas, faço a maior parte da agenda, que a gente faz junto, combinado. Eu faço a programação da Toca do Urso, da Colorado, também. Além disso, toco em uma banda, já toquei em outras, então essa rede torna fácil e dinâmico marcar bandas para tocar.
Cleber: a gente faz um esquema de parceria sempre com as bandas, que toda vez têm uma participação na portaria, porque a gente acha que é justo, quanto mais pessoas vierem, mais os artistas recebem proporcionalmente. A história de ser mais rock do que qualquer outra coisa, é basicamente porque a gente tem uma ligação talvez mais estreita com as bandas de rock e eu acho que tem mais demanda também. Mas a ideia
que a gente sempre falou aqui foi que a gente tem um pé, talvez uma perna inteira, no samba, na parte mais brasileira da coisa.
Como vocês divulgam os eventos?
Fabiana: a divulgação basicamente é digital. Até o final de 2018, o Facebook funcionava bem, aí a gente entendeu que precisava ampliar para o Instagram. Mesmo assim, deu uma caída, porque eles começaram a fazer o que eles têm que fazer, ganhar dinheiro e cobrar em cima disso, restringindo o raio de abrangência das ferramentas sociais.
Rodrigo: então, descobrimos que a gente precisava das pessoas. A Fábrica precisava fazer eventos em que haja uma ligação direta entre as pessoas, porque funciona mesmo, mas funciona no tête-à-tête, no boca-a-boca, e não tem mais para onde correr. Eu acho que a gente só consegue se manter vivo aqui, se as pessoas fizerem parte, se os artistas entenderem que aqui é uma extensão da sua casa, na verdade é a própria casa, porque aqui a gente vem para fazer arte.
Vocês têm aqui uma história que vale a pena sempre ser lembrada. Quando começou a Fábrica de Extintores?
Cleber: a fábrica de extintores propriamente durou até 89, 90. Depois permaneceu o comércio de extintores, venda, revenda. Nos finais de semana, ocupávamos a “firma” para fazer as festas. Herdamos dos nossos pais o instinto de festeiros e daí foi um pulo para a gente transformar este espaço industrial em um espaço artístico definitivo e exclusivo. No princípio, tudo meio na base do voluntariado, acho que desde 2004, com roda de samba, banda de rock, MPB, mas já atraindo bastante público. Nossa primeira festa com venda de ingressos foi em 2011. A partir daí por uma cobrança do próprio pessoal que vinha aqui e queria que as coisas fossem mais organizadas, a cerveja boa e geladinha, igual pra todo mundo, a coisa tomou uma forma mais mercadológica,
profissionalizou.
Qual é o público da Fábrica de Extintores? Vocês têm um público fiel ou ele varia de acordo com o repertório?
José Rubens: O público que a gente tem aqui não é um fiel ao evento que a gente faz, mas ao lugar. Vem aqui pelo lugar. “Hoje vai ter samba? Então eu vou lá porque eu gosto de estar lá e ainda vai rolar um samba”.
Fabiana: Tem uma galera muito fiel. Aquela que desde o começo vinha aqui justamente para fazer uma reuniãozinha e continua vindo até hoje. A gente tem a galera que gosta desse esquema do som alternativo, do som autoral – a gente preza muito para colocar a galera autoral aqui – e gosta do espaço, gosta desse lance de estar num lugar em que você está fervendo numa garagem, mas de repente dá dez passos e está aqui neste jardim, numa área aberta.
Rodrigo: Tem um público relativamente eclético. A faixa etária é perto de 30 e para cima. Eu conheço o Armazém, eu conheço o Galpão 20, a gente tem algumas distinções. Lá no Galpão 20 tem uma turma mais jovem, costuma rolar funk, costuma rolar coisa mais contemporânea, que a gente aqui não abraça. Na verdade, não por preconceito nem por nada, até já tentamos em algum momento, mas é a Fábrica.
José Rubens: Então, a Fábrica atrai mais o público perto da casa dos 30 anos, que está acostumado, que viveu uma outra época. O Armazém tem o pessoal do alternativão do empoderamento, uma coisa mais politizada. Aqui a gente tende para esse lado, mas não é o interesse do nosso público, que vem para cá com essa característica mais rock´n roll.
Relembrem para gente algumas bandas e grupos que estiveram aqui recentemente.
José Rubens: Em dezembro, a minha banda Chavala Talhada se apresentou aqui. Veio também o Balaco com o groove, um time que só tem fera. Fred Sun Walk, Roda das Flores nos domingos, Banguela. Vamos começar 2020 com Pearl Jam Cover que é a banda que mais traz gente aqui – a gente dá prioridade para os caras escolherem as
datas, porque a gente sabe que eles fazem um bom trabalho e gostam muito daqui, sabem que a Fábrica é a casa deles também.