Caminhando hoje pelo centro de Belo Horizonte, principalmente por aquelas ruas dentro da grande quadra entre a Afonso Pena, Álvares Cabral, Bias Fortes e Avenida Brasil, próxima do bairro dos Funcionários, a gente não imagina o que repousa no seu subsolo. Emprego aqui “subsolo” menos por inspiração arqueológica, mas sobretudo por imaginação histórica. Pois bem em frente ali do Parque Municipal, na altura do Palácio das Artes, existiu, até o final do século 19, a área central da antiga vila do Curral del Rey, sobre a qual o urbanista traçou, com a régua e absoluta maestria, os quadriláteros belorizontinos.
Uma época de mudanças radicais
Vivíamos na passagem do século, o que se convencionou chamar de belle époque, com modelos europeus ditando as regras por aqui, até nas pequenas cidades do interior do Brasil como Ribeirão Preto. No caso do Brasil, acrescenta-se a abolição da escravatura e a queda recente da monarquia como fatores que impulsionavam a modernidade das ideias fora do lugar, ou amoldavam a nova realidade aos compromissos com o passado. Fundamento social de todo este processo urbanizador era a política higienista dos primeiros governos republicanos. Na esteira da teoria da evolução, os negros e pobres que se lasquem.
Pois até nos nomes das vilas e cidades da época se assanharam os modernistas. Maçons, positivistas e republicanos andaram cassando os seus nomes de santos e santas. Assim, foi cassado o São Sebastião do Ribeirão Preto. Mas a resistência clerical prevaleceu em muitos casos. E dessa forma estão aí São Simão, São José do Rio Preto, Santa Rita do Passa Quatro, no estado de São Paulo, e tantos outros em Minas Gerais. As urbes que nasceram naquela época já ostentavam outras influências ideológicas. O melhor exemplo é a pitoresca Jardinópolis, em homenagem ao abolicionista e republicano radical Silva Jardim.
Praticamente nada sobrou da antiga Curral del Rey
Mas Curral del Rey? Não era possível… Nomenclatura copiada da grande serra que no horizonte lhe serve de muralha, não era possível os humanos viverem em um curral! E ainda por cima “del Rey” lembrando um regime derrotado, mesmo sabendo que também aqui o nome não lhe vinha diretamente do imperador deposto. Mesmo antes de virar capital, os moradores de Curral del Rey já mudaram o nome de sua vila para Belo Horizonte. Disso pouca gente sabe. Talvez a concorrência estivesse forte. Afinal, o lugar para a nova capital sairia dentre as mineirinhas Juiz de Fora, Barbacena, Várzea do Marçal, Curral del Rey e Costa Sena, com toda a oposição dos ouro-pretanos.
Depois que escolheram a antiga Curral del Rey para ser a capital, os novos mandatários lhe mudaram o nome para cidade de “Minas”. Pouco tempo depois, restaurou-se o nome de Belo Horizonte. Ficava até mais bonito! Mas ficavam sepultadas para sempre suas ruas e becos tortos, seu casario colonial e sua antiga igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem com a imagem trazida pelo português Francisco Homem del Rey. Como representante raro de uma espécie em extinção, restou o Museu Histórico Abílio Barreto, na Av. Prudente de Moraes, antiga sede da fazenda do Leitão. No mesmo espaço da antiga Boa Viagem, surgiu a nova Boa Viagem já na década de 20. De qualquer forma, a antiga Curral del Rey foi sepultada pela majestosa Belo Horizonte dos nossos dias.
Boas lembranças de uma BH que também já virou passado
Quando morei em BH, entre 78 e 86, essa região me era muito familiar. Lecionei no Colégio Pitágoras da Rua Timbiras que ficava no quarteirão ao lado da Boa Viagem. Lembro-me bem daqueles anos derradeiros do regime militar. Eventualmente, os estudantes da Faculdade de Direito da UFMG sempre saiam com suas passeatas com a palavra de ordem “abaixo a ditadura”. E eu sempre por ali como convidado mas autêntico militante! Havia também um caldo de feijão delicioso na subidinha da João Pinheiro. Depois das aulas no Pitágoras, eu e meu primo Jacques sempre éramos fregueses. E lá iam altos papos sobre a conjuntura política. Bons e gloriosos tempos sobre o espectro do Curral del Rey. Enfim, a gente não imagina o que repousa no subsolo de Belo Horizonte.
A foto se refere à antiga vila de Curral del Rey com sua igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem.
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