Estamos a uma semana do segundo turno das eleições e agora já possível dizer o que foi esta campanha eleitoral de 2018. Um moralismo medieval, medos retóricos e distância da realidade marcaram as eleições presidenciais deste ano. Sem dúvida, são tempos de irracionalidade, e toda vez que propomos alguma reflexão sobre qualquer tema social e político, vem de imediato a repulsa de muitas pessoas que desejam ardentemente um salvador da pátria para resolver todos os seus problemas, sem fazê-las refletir sobre nada. E falo isso de cátedra, através de uma grande vivência nas redes sociais.
Recebi um texto interessante de um colega do doutorado com explicações detalhadas do ponto de vista histórico e político da expressão “A Alemanha acima de tudo” com a sua analogia com “O Brasil acima de tudo”, agora sobejamente utilizado pelos grupos da extrema-direita. Resolvi publicá-lo na minha página do Facebook, até curioso para ver a repercussão. O texto não falava de campanha eleitoral, de candidatos, partidos. Era um texto informativo, técnico que até mereceu algumas correções nas traduções por parte de alguns internautas versados na língua alemã.
Mas não deu outra. Recebi umas duas dezenas de xingamentos e interpelações grotescas (reproduzidas aqui, como foram recebidas). “O senhor prefere o comunismo do que o fascismo?”, “ Babaca, esta frase está no hino da Alemanha” (alguém que leu apenas o título), “Tem que fazer tomografia na cabeça de petista, vê se tem miolo ou bo…”, “Professor Lage sempre foi petista, fale algo a respeito do comunismo, socialismo, imposto pelo PT”, “Eu posso usar essa frase, por achar bonita e não usar para o mal, se encherga” e várias outras. A ignorância saiu do armário. As pessoas se empoderam a ponto de perderem a racionalidade. Agora acharam um espelho de grande visibilidade, um messias redentor e curador de todos os pecados. Estamos diante de uma catarse apocalíptica.
Será que a democracia é um valor em torno do qual há algum consenso e por isso deve ser sempre o ponto de partida, de reunião, “reflexão” e prática da vida coletiva? Acredito que a efetivação da democracia não será moldada de acordo com nossos sonhos individuais, mas através da interação e confrontação dos muitos sonhos com a “realidade”, através da Política. A democracia válida é aquela que emerge das interações sociais e institucionais, do processo político ajustado pela sociedade, dos ajustes institucionais. Não afirmo que crenças, percepções, desejos e certezas individuais sejam irrelevantes, mas elas todas se subordinam a algo mais amplo, plural e coletivo.
Feitas essas reflexões, é possível afirmar que as políticas públicas não foram postas ao debate dos eleitores este ano. O que se viu foi apenas versões indesejadas, conteúdos falsos que caracterizam esses tempos em que o debate é substituído pelas certezas e pelo ódio. A esmagadora maioria das “fake news” tem a intenção de ganhar seguidores e ampliar essa atmosfera de agressividade irracional e emotiva. Vemos multidões dispostas a agir de modo violento e sem qualquer objetivo político. Com toda sinceridade, acredito que o objetivo oculto do método da candidatura da extrema-direita é relativizar a democracia, através da mobilização de apoio popular contra seu princípio de existência.
Mas voltemos às redes sociais. Nosso post recebeu 737 reações, 80% de comentários positivos e foi compartilhado por mais de 383 internautas. Ainda há esperança!
(Texto originalmente publicado no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)