Estarrecido. Foi assim que fiquei ao saber das graves denúncias de integrantes do mandato coletivo Todas as Vozes da Câmara Municipal. Em primeiro lugar, porque tínhamos uma grande expectativa sobre esse mandato. Em segundo lugar, porque este episódio ocorre em um momento político delicadíssimo, trazendo enormes prejuízos para todo o campo das forças progressistas em nossa cidade. Fica aqui a minha solidariedade aos atingidos(as). Não quero entrar nos detalhes das denúncias. Quero, sim, tecer considerações sobre o que entendo ser um mandato, em especial um mandato compartilhado. Mas, de qualquer forma, é muito lamentável a implosão de um mandato coletivo em Ribeirão Preto.
O que é combinado não é caro
Acredito que passou da hora da esquerda em Ribeirão fazer uma autocrítica. Sabemos como é ainda pesada a lembrança do ex-prefeito sobre todos nós, apesar de muitos não quererem tocar no assunto. Tivemos ainda um péssimo histórico por aqui do partido do incorruptível João Amazonas, desde o “você delcides” até um candidato a prefeito que acabou atrás das grades, depois de nos roubar milhões, de nós, servidores municipais. E sempre um fantasma, o mesmo, por trás de tudo isso. Do mesmo modo, nessa legislatura, a grande decepção com o outro jovem vereador que terminou na base de apoio ao prefeito para salvar o mandato. Agora, o imbróglio envolvendo o Todas as Vozes. Muito lamentável a implosão de um mandato coletivo em Ribeirão Preto.
Quem conhece o titular de Todas as Vozes não entendeu bem quando ele veio com a proposta de um mandato coletivo. Em suma, algo não batia com o seu conhecido personalismo e vitimismo, dentre outras coisas. E já diz o ditado popular: “o que é combinado não é caro!”. E para combinar é preciso conhecer bem. Ainda mais com um projeto político inédito como este. Conhecer não somente o titular do mandato, mas os outros integrantes do coletivo. Não basta um convite do titular para integrá-lo. Note que as denúncias afirmam que os problemas começaram no segundo mês do mandato…
Não se pode vender gato por lebre
Sabemos que o partido em questão é mais conhecido pelo centralismo do que pelo democrático. Quem integrou o coletivo sabia disso? Longe de mim querer justificar o que aconteceu, pois seria igualmente grave, mesmo fora de um mandato coletivo. Mas me considero capaz e apto para fazer essa reflexão, até porque já fui vereador, pela esquerda, na legislatura 2001/2004. O meu amigo João Tavares me disse, há alguns dias, que eu “já havia exercido um mandato coletivo, mesmo sem ter este nome”. Prefiro não entrar no mérito. Mas pergunte ao pessoal do MST, da Pau-Brasil, das Pastorais, da turma boa de briga do patrimônio cultural! Eles vão poder dizer melhor do que eu.
Seja como for, é óbvio que existe uma exigência da sociedade de se democratizar os mandatos. Há uma crise de representação e responder a isso, no campo popular, não depende apenas do vereador. Além disso, a instituição é que é retrógrada e antipopular também. Não podemos esquecer que uma Câmara Municipal possui prerrogativas legais muito limitadas, sendo o mandato coletivo ou não. Não podemos vender gato por lebre para as pessoas, como parece que foi vendido. Vimos até candidatos a co-vereador e a co-vereadora fazendo campanha sozinhos, sem dizer quem era o seu candidato(a) titular.
Proposta que precisa ser construída com a sociedade
A proposta de um mandato coletivo já é antiga e vem sendo experimentada na Europa e nos Estados Unidos há muito tempo, através de diversas formulações. Aqui no Brasil, apareceu, com força, nas duas últimas eleições, no campo da esquerda, mas boa parte das experiências tem fracassado. Quando fui candidato a vereador na última eleição, em 2020, propusemos um “conselho de mandato” (ver https://www.professorlages.com.br/uma-candidatura-solida-e-diferente-o-conselho-de-mandato/) e não utilizamos a expressão “mandato coletivo”. A intenção era fugir mesmo do modismo. “Tínhamos uma proposta muito mais consistente”, lembrou-me a querida Simone Kandratavicius.
Não queríamos simplesmente importar modelos que ainda estavam sendo experimentados. Em outras palavras, é necessário permitir uma melhor assimilação de uma forma de democracia participativa que possa ser educadora das consciências, de uma cultura genuinamente democrática e que possa nos levar, o quanto antes, a verdadeiros mandatos compartilhados. Afinal, precisamos “construir” essa proposta e não simplesmente adotá-la por uma questão de interesse eleitoral. Depois de exaustivas discussões, chegamos até a elaborar um estatuto do conselho que você pode consultar aqui: https://www.professorlages.com.br/estatuto-do-conselho-de-mandato-professor-lages-40111/. Voltaremos ao assunto brevemente.
Este artigo foi também publicado no jornal TRIBUNA, na sua edição do dia 23/07/2022
Assista aqui as entrevistas que fiz com os titulares de dois mandatos coletivos na Câmara de Ribeirão Preto: Câmara 2021/2024: Judeti Zilli e Ramon Faustino
Se você quiser me conhecer melhor, clique em https://www.professorlages.com.br/perfil e também https://www.professorlages.com.br/no-legislativo