Quando a gente pensa que já viu de tudo, vem mais esta. No último dia 12/8, o governador João Dória encaminhou à Assembleia Legislativa o PL 529/2020 aumentando impostos, como ICMS e IPVA, vendendo imóveis do patrimônio do Estado, demitindo servidores públicos, extinguindo autarquias, fundações e empresas ligadas à prestação de serviços de saúde, habitação, pesquisa, meio ambiente, entre outras maldades. E por que tudo isso? Para enfrentar a expectativa de déficit fiscal para 2021, calculado em 10 bilhões de reais. Os jornais Folha de S. Paulo e Estadão lançaram editoriais de apoio, revelando o grau de compromisso nada democrático com as ações do governo estadual.
Seguindo a cartilha
João Dória segue, mais uma vez, a cartilha neoliberal dos governos do PSDB, inclusive do prefeito Nogueira com sua política de terceirizações absurdas. Nas palavras de Márcia Semer, procuradora do estado de São Paulo e atual presidente do Sindiproesp (Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo), esta reforma administrativa não passa de “um verdadeiro Frankenstein, desacompanhado de estudo explicativo e demonstrativo do déficit projetado para 2021 e tampouco está instruído com qualquer pesquisa que apresente e justifique a eleição do rol de medidas alinhadas.”
Outro remédio possível?
Em tempos de uma pandemia tão cruel, essas medidas são revestidas de uma verdadeira covardia. Questões de ordem econômica, administrativa, jurídica e até mesmo de natureza ética merecem ser confrontadas a partir da leitura do projeto. O que estamos vivendo neste momento vai marcar a nossa geração, é algo pior do que nossos avós e bisavós viveram com a crise de 1929. Mas o Sr. Dória faz questão de desconhecer a história, desconhecer os remédios que já foram usados com eficácia para combater crises tão amargas. Refiro-me ao New Deal adotado pelo presidente estadunidense Franklin Delano Roosevelt.
O New Deal deu origem às políticas públicas marcadas pelas medidas de estímulo estatal à economia. Medidas econômicas geradoras de emprego e renda, de incentivo direto à agricultura, indústria e construção civil. O remédio eficaz foi mais investimento estatal para garantia do bem-estar dos cidadãos. Ampliação do Estado e não seu enxugamento. E mais uma vez, citando Márcia Semer, querer reduzir a máquina pública neste momento é “oferecer cloroquina, ozônio retal ou fetiche que o valha para curar a Covid”. A reforma de Dória ainda peca por uma série de inconstitucionalidades e ilegalidades que não podem ser toleradas.
Se não por obrigação, por ética…
E por que chamo esta reforma de indigna? Porque ela mostra a face mais notável do projeto neoliberal. No auge da pandemia, o governador encaminha para o parlamento paulista uma proposta que visa desempregar milhares de servidores a partir da extinção de autarquias, fundações e empresas públicas paulistas. Em todo mundo, o esforço de governantes é garantir os empregos, estender os braços do Estado para os mais necessitados. Não fosse uma obrigação pública, a garantia de empregos e de assistência aos vulneráveis neste momento seria um imperativo ético. Isso o governador não vê, nem sente, tal a sua falta de sensibilidade humana.
A ameaça é contra todos nós!
O grande gestor quer colocar na rua milhares de servidores, os que atendem aqueles que precisam de remédio público (a Fundação Para o Remédio Popular), de saúde pública (o Oncocentro), de moradia patrocinada pelo Poder Público (a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), de terra para a produção agrícola (a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo). Quer desempregar, ainda, quem cuida da saúde coletiva (a Superintendência de Controle de Endemias), quem cuida do meio ambiente e dos animais (o Instituto Florestal e a Fundação Zoológico). Indignidade e covardia são as marcas do PL 529/2020. Que seja retirado ou rejeitado pela Assembleia Legislativa paulista!
(Artigo originalmente publicado em 29/08/20 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)
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