Há duas semanas estive aqui falando da sandice do Ministro da Educação, ao chamar os brasileiros de canibais e ladrões. Mas esta semana ele se superou. Hoje sou obrigado a voltar de novo à Educação dos “novos tempos”. Uma carta sua a escolas de todo o país, enviada por e-mail, previa que alunos fossem gravados cantando o hino nacional. As gravações deveriam ser enviadas ao seu Ministério e à Presidência da República. Duas perguntinhas de saída: será que o Ministro já entrou em alguma escola? Ele sabe cantar o hino nacional? A repercussão foi tão negativa entre educadores e especialistas, que Ricardo Vélez modificou os termos da carta três vezes em dois dias. A emenda saiu pior que o soneto. E, no final, informou às escolas que não era mais para gravar mais nada.
Nenhum problema de os estudantes cantarem o hino nacional. Passei o meu antigo primário cantando o hino e posso afirmar hoje, com bastante consciência, que isso não teve a mínima influência na minha formação. Nem para o bem, nem para o mal. Várias escolas ainda o cantam pelo menos uma vez por semana, como previsto em lei. Eu mesmo, como professor e diretor de escola, organizei os estudantes junto com os colegas professores(as) para cantar o hino em ocasiões especiais como datas cívicas. E não tem muito tempo. Em escolas municipais e estaduais de Ribeirão Preto.
Se em algumas escolas ainda se canta o hino, certamente é que isso ainda tem sentido para alunos(as), professores(as) e gestores(as). Se a maioria não canta mais, é porque perdeu sentido. Talvez tenham mais sentido outros hinos e outras canções. A sociedade em que vivemos não é a mesma de vinte ou trinta anos atrás. Mas o que se percebe emanando do Ministério da Educação é uma política restaurativa, parece que seguindo um plano calculado de transformar a escola em uma verdadeira arena de confronto ideológico. E aí entram o hino e os símbolos nacionais como armas de combate e guerra de posições políticas.
E não era justamente este novo governo que queria acabar com o viés ideológico da educação? Fica cada dia mais clara uma nítida política oficial de ideologização das nossas escolas. Bolsonaro, Ricardo Vélez et caterva imaginam que a escola faz a cabeça dos estudantes. Os(as) professores(as) mal conseguem ensinar os conteúdos. Que dirá ideias, princípios e valores. Família e escola vêm perdendo há muito tempo o seu papel formativo. Políticas de educação emanadas de órgãos superiores chegam muito parcialmente, quando chegam, às salas de aula. Sabemos que os principais vetores atuais de formação são outros.
Sempre pautei minhas aulas de História com forte senso crítico, necessário à formação de cidadãos conscientes e engajados. Milhares de alunos(as) passaram pelas minhas aulas nos meus mais de 30 anos de magistério. Uns foram para a direita, outros para a esquerda, a maioria talvez para lugar nenhum. Nunca lhes escondi a minha visão política particular. Eles a conheciam muito bem. Mas sempre cuidei em não confundir ensinar com doutrinar. Mas os nossos inteligentes governantes de plantão acreditam que alunos(as) de professores(as) de esquerda serão automaticamente cidadãos(ãs) de esquerda. Me desculpem, mas essa gente é muito estúpida.
O mais grave, no entanto, foi a sugestão do Ministro Vélez aos(às) gestores(as) para gravar os estudantes sem autorização dos pais e mães e enviar as gravações para o Ministério e a Presidência. Ele nunca ouviu falar em direito de uso da imagem? O que seria feito com estas gravações? Podemos afirmar com toda certeza: propaganda ideológica. Isso fica claro com a referência aos “novos tempos” e ao slogan da campanha presidencial anexado à carta. No mínimo, ele incorre aqui em fragrante desrespeito a princípios mínimos da administração pública como a Probidade e a Impessoalidade. Mas é isso que dá a nomeação desses ministros toscos que não tem a mínima noção de gestão pública e se cercam de assessores do mesmo naipe. Por todas essas barbaridades, o Sr. Ricardo Vélez deveria ser imediatamente demitido do Ministério da Educação. Se tivéssemos um governo minimante decente.
(Texto originalmente publicado no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)