Comemoramos o aniversário de Ribeirão há alguns dias, mas acredito que a maioria dos ribeirão-pretanos desconhece o motivo dessa data – 19 de junho. A princípio, o fato histórico que explica essa “escolha” é que, nesse dia, no ano de 1856, o suplente do Juiz Municipal dos Termos Reunidos, José Antônio Rodrigues Mendes, de Casa Branca, despachou favoravelmente ao pedido de demarcação das “terras do patrimônio”, feito pelo fabriqueiro Manoel de Nazareth Azevedo (fabriqueiro era o responsável pela “fábrica”, o conjunto de bens e direitos da Igreja). O objetivo dessa doação era criar condições para que a Igreja autorizasse a construção de uma capela. Isso depois de fracassadas as tentativas nesse sentido na fazenda das Palmeiras. As origens de Ribeirão sempre foram controvertidas.
Ponto zero na Praça XV fora do lugar
Que “terras do patrimônio” eram essas? Eram terrenos que seis proprietários doaram à Igreja, três anos antes. Eles eram condôminos na fazenda do Retiro, localizada à direita do córrego do Retiro (atual Campos Elíseos). No ato judicial da demarcação, ocorreu um acordo homologado pelo mesmo juiz, transferindo esse patrimônio para o lado esquerdo do mesmo córrego, a fazenda Barra do Retiro, onde os doadores também tinham propriedades. Assim, essa transferência talvez se explique por já existir um povoado com uma tosca capelinha naquela área, correspondente hoje à Praça Barão do Rio Branco. Sem dúvida, este é o verdadeiro “ponto zero” da cidade.
A Lei Municipal 386 de 24/12/1954 oficializou essa data de aniversário, com base em uma profunda pesquisa de Osmani Emboaba Costa, publicada sob o título “História da Fundação de Ribeirão Preto” e aprovada por uma banca da USP. Dessa forma, dois anos depois, comemorou-se o primeiro centenário da cidade. Houve, na verdade, dois trabalhos que foram apreciados pela banca. O primeiro, do próprio Emboaba, e o outro, do historiador Plínio Travassos dos Santos, para quem a cidade teria sido fundada em 1863. É que eles já partiam, naquela época, de visões diferentes sobre o significado de “fundação”. Mas há controvérsias em relação a ambas as propostas. E muitas! As origens de Ribeirão sempre foram controvertidas.
Controvérsias em torna da “fundação”
O que significa mesmo “fundação” de uma cidade? Trata-se de um conceito fluido e escapista. Existem várias possibilidades. Muitas cidades no Brasil têm sua origem em um ato jurídico e/ou administrativo que deu forma institucional à comunidade: criação da freguesia ou paróquia, da vila, da cidade etc. Outras se referem a um ato voluntário de alguns, chamados de “fundadores”, que doaram parte de suas propriedades para a formação de um patrimônio eclesiástico, onde foi construída uma capela. Esta, sim, origem de muitas cidades. De certa forma, foi o caso de Ribeirão, como entenderam a banca da USP e os edis de 1954. Mas permanece um conceito sem significado claro e objetivo.
No entanto, como grande parte das nossas cidades, Ribeirão teve “formação espontânea”. Ao arrepio de atos jurídicos e administrativos e mesmo independente da vontade de alguns que desejavam ter aqui uma povoação, essa se originou espontaneamente, a partir dos mais diversos interesses particulares, antes da construção da capela na Praça XV. Portanto, não cabe falar em “fundação”, muito menos para definir a data de aniversário da cidade. A documentação reflete aquela formação espontânea. Na lista de eleitores de São Simão de 1857, que encontramos no Arquivo Público do Estado de São Paulo, o seu 22º quarteirão se chama “Arraial de São Sebastião”. É isso mesmo: em 1857, já existia o arraial. Portanto, se entendermos por “fundação” o momento de origem de um aglomerado humano, que as autoridades viriam mais tarde reconhecer como uma comunidade política, tudo indica que ela deve ser recuada no tempo! As origens de Ribeirão sempre foram controvertidas.
A política dirigindo a história
O arquiteto Ricardo Barros no seu livro “História da História da Fundação de Ribeirão Preto”, esclarece a questão. Ele faz um resgate da construção ideológica de como as elites políticas da época definiram a data de fundação da cidade para se comemorar, então, seu primeiro centenário, até com a presença do presidente JK. Enfim, foi uma decisão mais política do que científica. Sem falar que, como a Lei Federal só autoriza o município criar, no máximo, quatro feriados religiosos, incluída aí a Sexta-feira Santa, o feriado de 19 de junho é, oficialmente, um feriado religioso dedicado a Santa Juliana Falconieri. Ainda tem mais essa! Enfim, se você quiser conhecer mais sobre esta controvertida questão, acesse o meu livro “Ribeirão Preto Revisitada” na internet: https://drive.google.com/drive/folders/1X7fxKM6C-yutr7U8-KGggYaksLFV5W7c.
O jornal TRIBUNA também publicou este artigo na sua edição de 24/06/2023
Foto: Manifestação popular em frente à Casa de Câmara e Cadeia (atual Museu da Imagem e do Som – MIS), na Rua Cerqueira Cesar em 1892. Vereadores e autoridades, liderados por um grupo armado depôs a Câmara Municipal, no contexto da revolta de Bernardino de Campos em São Paulo. Esta, talvez, seja a foto mais antiga de Ribeirão Preto. Neste espaço, verdadeiro marco zero da cidade, existiu, na década de 1850, um aglomerado de casas e uma capelinha, muito antes da construção da capela na Praça XV.
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