Logo depois da divulgação dos primeiros resultados das eleições de domingo, ouviu-se uma forte gritaria de que as pesquisas de intenção de voto estavam desmoralizadas. Arautos do bolsonarismo querem até bani-las do cenário político. Aqui, se misturam ignorância e má fé. Ouso contrariar o senso comum e até a maioria dos seus críticos ao afirmar que as pesquisas não erraram. No Brasil, como em todo o mundo, elas se baseiam em critérios científicos. No entanto, é preciso constatar que os resultados foram diferentes do que elas previam. Como isso pode acontecer? Aliás, como já aconteceu, inúmeras vezes, no Brasil e em outros países.
Retrato do momento
Pesquisas de intenção de voto são sempre um retrato do momento. E este momento pode mudar em 24 horas. Além disso, as pesquisas podem não captar ou captar apenas pequena parcela de algum movimento de opinião subjacente. E isso elas mal chegaram a captar. Sabemos que esses processos podem passar de tênues e vagarosos a fortes e rápidos. Por isso existe a tão famosa margem de erro, mas sempre lembrando que é a margem de erro do momento e que uma série de outros fatores podem alterar o ânimo do eleitorado na última hora. Se houvesse pesquisas de boca de urna, essas, sim, estariam bem mais próximas dos resultados.
Um artigo do jornalista Eduardo Guimarães corrobora o que eu estou afirmando. Para ele, as pesquisas acertaram, mas grande parte da sociedade não entende como elas funcionam nem para que servem. Em primeiro lugar, a pesquisa Datafolha previu que Lula teria 50% dos votos válidos e ele teve 48%, dentro da margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Nem um erro aqui. Faltaram exatos 1.855.395 votos para Lula se eleger no primeiro turno. Isso corresponde a 1,6% dos votos válidos. A pesquisa do IPEC apresentou números muito próximos desses. Mas, então, qual é o problema?
O verdadeiro destino do voto útil
A votação de Bolsonaro é que surpreendeu. É possível perceber que foi um movimento de definição forte e rápido, dentro das 24 horas antes do fechamento das urnas, pois este voto pró-Bolsonaro também arrastou os seus candidatos em vários estados. Alguns analistas já estão dizendo que o Bolsonarismo, agora decantado, veio pra ficar. Com certeza absoluta, o atual presidente foi beneficiado pelo voto dos indecisos, incluindo aqui os envergonhados, e pelo voto útil saindo de Ciro Gomes e Simone Tebet. A campanha de Lula fez a campanha pelo voto útil, mas quem se beneficiou com ela foi Bolsonaro, fortalecido pela forte retórica antipetista de Ciro. De qualquer forma, as pesquisas não erraram.
Guimarães conclui, afirmando que “os institutos de pesquisa acertaram aquilo que se propõem a acertar, a tendência de Lula vencer o primeiro turno. E foi uma vitória incontestável e considerada boa em eleições em que não há expectativas tão grandiloquentes quanto havia em relação a Lula”. Ele lembra dos EUA em 2020, apesar das grandes diferenças entre as eleições de lá e daqui. Com apenas mais 43.000 votos em três estados, Trump poderia ter ganhado no colégio eleitoral, apesar da margem sólida que Biden obteve de sete milhões de votos populares.
Nesta eleição, é a barbárie versus a Democracia
Em comparação com 2018, o PT avança em todos os estados. Lula venceu um candidato que tinha apoio ameaçador dos militares, apoio do mercado financeiro (Faria Lima), do agronegócio, dos mais ricos e influentes e de uma massa impressionante de zumbis religiosos. E que gastou 5% do PIB para comprar eleitores! Lula chega ao segundo turno como favorito. Teve 25,6 milhões de votos a mais que Haddad em 2018; Bolsonaro ganhou 1,7 milhão de votos a mais. O ex-presidente teve 6 milhões de votos a mais do que Bolsonaro e suas perspectivas de apoio dos votos sobrantes de Ciro e Tebet é grande. As pesquisas não erraram.
E assino embaixo do que afirma Guimarães: “não há motivo para desânimo. Todos sabiam que margem de erro de pesquisas e eleitores indecisos e envergonhados não têm ideologia. Ainda assim, as pesquisas mostraram que Lula teria vantagem sobre Bolsonaro. Nesse aspecto, acertaram em cheio”. Afinal, como afirmamos, pesquisas são retratos do momento. Queremos que o retrato do resultado do primeiro turno se repita no segundo. E nosso dever cívico, como democratas, é convencer as pessoas de que o que está em jogo, neste segundo turno, é a barbárie versus a Democracia!
Este artigo foi publicado também no jornal TRIBUNA na sua edição do dia 08/10/2022
Leia também Não basta esmagar Bolsonaro nas urnas
Se você quiser me conhecer melhor, clique em https://www.professorlages.com.br/perfil