Antes da lei de Terras de 1850, que só teve alguma consequência prática anos mais tarde, uma estratégia de legalizar as posses de terra era transmiti-las em inventários. Outra forma era doar uma pequena parcela para a construção de uma capela. Elas obtinham, assim, um título de propriedade oficial. Com este objetivo, seis posseiros da fazenda do Retiro iniciaram um movimento em dezembro de 1852, depois de fracassadas as mesmas tentativas na das Palmeiras. Igualmente, eram devotos de São Sebastião, e mesmo antes de obterem a doação legalizada pela Igreja, parentes e amigos seus construíram, como já dissemos, uma capelinha de pau-a-pique para o santo e algumas casinhas em torno dela, na Fazenda vizinha da Barra do Retiro. Ao final, até o santo vai se meter na disputa pela terra.
O difícil significado de “fundação”
Como doadores do patrimônio da Igreja, sobre o qual se originou a nossa cidade, podemos, assim, considerar estes seis posseiros e suas esposas como os “legalizadores” de Ribeirão. Foram eles: João Alves da Silva, Severiano João da Silva, José Borges da Costa, Inácio Bruno da Costa, Mariano Pedroso de Almeida e José Alves da Silva. No entanto, acreditamos que, como a grande maioria das nossas cidades, Ribeirão teve “formação espontânea”. Ao arrepio de atos jurídicos, administrativos e eclesiais, e mesmo independente da vontade de alguns que queriam ver surgir aqui uma povoação, ela se fez natural e espontaneamente, muito antes da construção da capela na Praça XV, que se iniciou somente em 1863. Portanto, é complicado falar aqui em “fundação” da cidade.
A documentação histórica pode muito bem refletir aquela “formação espontânea” de Ribeirão. Por exemplo, na lista de qualificação de eleitores da freguesia (paróquia) de São Simão de 1857, documento que pode ser encontrado no Arquivo Público do Estado de São Paulo, exatamente o seu 22º quarteirão é chamado de “Arraial de São Sebastião”. É isso mesmo: em 1857, já existia o arraial! Portanto, se entendermos por “fundação” o momento de origem de um aglomerado humano, que viria mais tarde a ser reconhecido pelas autoridades como uma comunidade política, ela deve ser recuada no tempo em alguns anos, diante do que diz a história oficial.
O motivo do aniversário em 19 de junho
Mas voltemos ao patrimônio. Nossos seis “legalizadores” foram espertos. Assim, eles fizeram suas doações quando um dos condôminos da fazenda Barra do Retiro, Antônio José Teixeira Junior, requereu a divisão da fazenda na justiça. Ele estava descontente com a pretensão de outros construírem uma capela dentro da área que julgava ser sua. Seu alvo principal era Manoel Fernandes do Nascimento, considerado uma liderança do povo. Além disso, em uma ação paralela, Junior tentou anular a venda de trinta alqueires de terra para Manoel. E ainda indiciou São Sebastião, sim, o santo, na pessoa de Antonio Gomes Meirelles, que era o “fabriqueiro” ou curador dos bens da Igreja, por falta de pagamento da Ciza. Ciza era o imposto cobrado pelo Estado sobre a propriedade da terra. Até o santo vai se meter na disputa pela terra.
Ainda assim, vale lembrar que a área doada situava-se na margem direita do córrego do Retiro, nos atuais bairros dos Campos Elíseos e Jardim Paulista. A requerimento de Manoel de Nazareth Azevedo, o novo fabriqueiro, por ocasião da divisão judicial da fazenda Barra do Retiro, o juiz municipal Rodrigues Mendes designou como quinhão do patrimônio a área entre o ribeirão Preto e o córrego do Retiro. Portanto, foi transferido da margem direita para a margem esquerda do córrego do Retiro, o referido patrimônio, onde hoje se encontra o centro da cidade. Este ato jurídico de legalização das doações aconteceu em 19 de junho de 1856. Por isso considera-se essa data tradicionalmente como a de “fundação” da cidade.
O sonho de uma cidade acalentado muito tempo antes
Claro era o objetivo de se construir uma povoação, além de se levantar uma capela. Era algo previsto e desejado. Dentre os envolvidos, já citamos Manoel Fernandes do Nascimento, mineiro de Itajubá, também futuro fabriqueiro. Veja o que escreveu Manoel de Nazareth Azevedo, em um dos documentos para a Igreja, ainda se referindo às Palmeiras: “E o ponto destinado para a capela tem proporções para nele se criar uma povoação, pois tem boa aguada, é alto e arejado. Tem muito campo e muitas matas de cultura”. Pois é… “formação espontânea”, mas dentro dos parâmetros legais e eclesiais da época. Uma das consequências disso foi o laudêmio, imposto pago à Igreja sobre todas as transmissões imobiliárias nesta área, o que perdura até nossos dias.
Foto de ilustração: antiga matriz de São Sebastião que existiu onde temos hoje a Praça XV. É uma das últimas fotos conhecidas desta igreja, já sem as suas torres, pouco antes da sua demolição em novembro de 1905. Ocorria no momento uma manifestação religiosa em honra a São Benedito.
O jornal TRIBUNA publicou originalmente este artigo, na sua edição do dia 18 de junho de 2022.
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