Desde o início do ano, Bolsonaro e sua claque trabalham para reverter a queda de sua popularidade entre os evangélicos, detectada no ano passado. O Datafolha, por exemplo, registrou que a aprovação (ótimo ou bom) do governo despencou de 40% para 29% de janeiro a setembro de 2021. Por isso, Bolsonaro e aliados se movimentam junto a esse eleitorado. Há mais ou menos um mês, ele se reuniu com líderes religiosos e prometeu que “dirigirá a nação para o lado que vocês desejarem”. A princípio, nada mais absurdo e de claro confronto com a laicidade do Estado. Por essa e outras, é possível concluir que o bolsonarismo intensifica campanha de medo e mentiras, principalmente entre os enavgelicos.
Católicos e evangélicos com sinais diferentes
Pesquisas mais recentes, como a do PoderData e da Genail/Quaest, mostram opiniões políticas diferentes entre católicos e evangélicos. O primeiro grupo tende claramente a ver o atual governo de forma negativa e a votar no ex-presidente Lula. O segundo, se divide entre bom, regular e péssimo em relação ao governo e ainda se mantem majoritariamente a favor de Bolsonaro. É possível investigar as nuances religiosas, mas também econômicas, sociais e até teológicas que separam estes dois grupos. Enfim, uma tarefa dos cientistas da religião.
Sóstenes Cavalcante, líder da bancada evangélica, disse em entrevista ao portal UOL que “Lula não vai mais enganar o segmento evangélico. Nós vimos a afronta que o governo do PT fez ao segmento evangélico na luta por valores que são totalmente divorciados ao que acreditamos e defendemos”. Por outro lado, essa relação dos evangélicos com o poder vem de longa data. Para quem se interessar, tenho um trabalho acadêmico sobre o assunto: “A atuação das bancadas evangélicas frente à previsão de um Estado laico no Brasil” em www.professorlages.com.br/ciencia-politica-textos-academicos/
Campanha já começou entre evangélicos
A fala de Sóstenes se encaixa no esforço que aquelas lideranças vêm fazendo para recuperar terreno. A jornalista Magali Cunha, pesquisadora de mídias, religiões e política do Instituto de Estudos da Religião (Iser), monitora as notícias dessa área. Ela afirma ser intensa a campanha política com viés eleitoral, com conteúdo de desinformação sobre a oposição, especialmente Lula, e favoráveis ao governo Bolsonaro. Além disso, não foi à toa que lideranças evangélicas cerraram fileiras para impedir a instalação de uma CPI para investigar os desmandos de corrupção no MEC sob o comando de Milton Ribeiro.
“Isso tem apelo junto ao público, especialmente os conteúdos que trabalham com imposição de medo. Criam ideias de inimigos da igreja na esquerda, colocando a oposição a Bolsonaro como ameaça à liberdade religiosa”, diz Magali Cunha. “Esse tema tem sido explorado e deve entrar com força para tentar captar cada vez mais apoio a Bolsonaro e rejeição às esquerdas”, acrescenta. Seja como for, nada muito diferente do que já ocorreu nas eleição de 2018. Acima de tudo, a pedra angular de todas essas campanhas é o propósito de se criar verdadeiro pânico diante de agendas ligadas a valores e a costumes.
Medo e mentiras travestidos de campanha
Não podemos cair na armadilha que vem sendo construída e, para isso, saber se utilizar da linguagem é fundamental. “É preciso desfazer a separação dos evangélicos da sociedade, como se essa população não fosse também formada por pessoas comuns. Não se pode tratar esse grupo como pessoas alienadas e até inimigas das propostas de esquerda. Dessa forma, é preciso abordar propostas que tenham a ver com a vida delas”, afirma a pesquisadora. Devemos evitar abordagens que estigmatizem a população evangélica. Afinal, a grande maioria dos evangélicos é de trabalhadores e trabalhadoras que precisam fazer o milagre da multiplicação para conseguirem sobreviver.
Um vídeo no YouTube, utilizado em redes sociais e em sites e blogs evangélicos, em 2018, voltou a circular agora. Ele é parte de uma palestra da ministra Damares Alves. Nele, a ministra-pastora mostra imagens de desenhos animados clássicos da Disney deturpados e faz um alerta em tom de pânico: “olha o que eles fizeram com os desenhos animados! […] Acreditem: eles estão armados, articulados. O cão está muito bem articulado e nós estamos alienados”, diz Damares. É possível concluir que o bolsonarismo intensifica campanha de medo e mentiras. Por fim, por essas e outras, há tantas armadilhas que precisam ser desarmadas, se realmente queremos uma campanha limpa, com base na verdade e na sabedoria.
Este artigo foi publicado originalmente pelo jornal TRIBUNA na sua edição do dia 16 de abril de 2022
Charge de ilustração: Charge do Duke publicada no Blog do Guará
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