O primeiro discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU despertou “pena do Brasil” no repórter Tom Phillips, correspondente do jornal The Guardian. Ele escreveu no seu twitter que nem nos seus “piores pesadelos” os diplomatas brasileiros poderiam imaginar que o discurso seria tão “arrogante, cheio de bile e desastroso para o lugar que o Brasil ocupa no mundo”. Rubens Ricupero, embaixador nos Estados Unidos em dois períodos não deixou por menos: “Um discurso tão belicoso quanto o de Bolsonaro é quase uma aula de antidiplomacia. Além de ter acentuado o lado negativo ao falar do meio ambiente, ele hostilizou muita gente no Brasil e no exterior”.
A participação de Bolsonaro foi alinhada à de Donald Trump, que veio logo a seguir. O que não é nenhuma novidade. Uma fonte informou ao blog de Leonardo Sakamoto que o discurso de Bolsonaro tomou sua forma final após o encontro, na segunda-feira, do deputado federal Eduardo Bolsonaro e do assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Filipe Martins, com Steve Bannon, estrategista da campanha de Donald Trump e uma das lideranças do movimento ultraconservador internacional. Mas os seus amiguinhos internacionais estão passando apuros: Saviani na Itália, Bibi em Israel, Macri na Argentina e o próprio Trump já sofre processo de impeachment.
Sakamoto afirma que “Bolsonaro fez uma intervenção profundamente ideológica, como se ainda estivesse na Guerra Fria, batendo em inimigos imaginários como o socialismo, criticando desafetos globais e negando responsabilidade no aumento do desmatamento da Amazônia”. Recebeu aplausos envergonhados da maioria dos presentes e efusivas comemorações no Brasil dos bolsonaristas tão estúpidos e tóxicos quanto ele. Com certeza, foram para esses que suas palavras foram dirigidas. Todas suas ações aqui e lá fora visam manter este rebanho unido e sempre disposto a defende-lo. Bolsonaro se mostra incapaz de governar e seu governo não passa de uma sucessão de mentiras e conflitos.
O “Novo Brasil” que Bolsonaro disse levar à ONU é desastroso. Marca o fim da diplomacia do equilíbrio e diálogo e inicia uma fase de isolacionismo, nacionalismo tacanho que se orgulha do atraso, hostilidade exacerbada aos vizinhos e vergonhosa subserviência colonial aos Estados Unidos. Em 74 anos de ONU, o Brasil, pela primeira vez, adotou inédito discurso de confronto com a própria organização. O Brasil passa a ser um país-pária, um país que se opõe ao multilateralismo, um país de governante autoritário, incapaz de articular consensos internos ou internacionais. Um país envergonhado.
Sobre a Amazônia, o seu discurso causou arrepios. Afirmou que o seu “governo tem compromisso solene com o meio ambiente”, mas não falou da responsabilidade de pecuaristas, madeireiros, grileiros e garimpeiros nas queimadas. Aliás, não disse como pretende conter a devastação da floresta e negou que isso esteja acontecendo. Preferiu citar populações indígenas e pequenos agricultores como responsáveis por começar incêndios. Responsabilizou os “ataques sensacionalistas da mídia” pela repercussão negativa global do seu governo e afirmou que o debate sobre a Amazônia despertou “nosso sentimento patriótico”. Mais uma mentira.
Chegou ao cúmulo de dizer que “acabou o monopólio do senhor Raoni”, acusando o líder Caiapó, que é referência global em direitos de povos tradicionais e na defesa do meio ambiente, de ser manipulado por interesses estrangeiros. Leu uma carta de um grupo de indígenas agricultores, que respaldavam Ysani Kalapalo, a indígena-pelega que ele levou à ONU e que o apoia desde a campanha, para tentar provar que tem o respaldo das populações tradicionais – o que é mais uma mentira. Já foi desmentido pela grande maioria dos grupos indígenas.
O pior aconteceu: aumenta terrivelmente o isolamento do Brasil no concerto das nações. Parabéns aos responsáveis!
(Texto originalmente publicado em 28/09/2019 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)