Não é à toa que a educação, a cultura e os direitos humanos são os campos de maior combate ideológico do bolsonarismo. Nesse sentido, os conservadores querem moldar corações e mentes. Os dois primeiros ministros da educação de Bolsonaro, Ricardo Vélez e Abraham Weintraub, cumpriram tão bem este papel que acabaram enxotados. O atual continua fazendo a mesma coisa, mas na surdina, passando a boiada. Da mesma forma, na cultura e nos direitos humanos, as figuras de Mário Frias, o quinto da pasta no atual governo, Damares Alves e Paulo Roberto prosseguem com a agenda da extrema-direita.
Projeto inconstitucional
Sob o mesmo ponto de vista, figuras abjetas do bolsonarismo tentam aprovar projetos de lei que vão na mesma direção, agora com o apoio do presidente da Casa. Um desses projetos é o homeschooling ou ensino domiciliar, prioridade estabelecida pelo próprio Bolsonaro. Ele quer aprová-lo até junho. O debate corre em duas tramitações paralelas, e suscita forte oposição de parlamentares, instituições acadêmicas e ativistas que defendem o direito à educação e a proteção integral de crianças e adolescentes. É evidente a importância da socialização de crianças e jovens na escola.
O aspecto mais perverso do homeschooling, para uma sociedade tão desigual como a nossa, é imaginar que todas as famílias tenham as mesmas condições de educar os seus filhos e filhas. Trata-se de um projeto inconstitucional, pois a Constituição prevê que a responsabilidade da educação se dá com base no tripé família, estado e sociedade. Além disso, a deputada federal bolsonarista Bia Kicis, presidente da CCJ, pretende revogar o artigo 246 do Código Penal. Este tipifica como crime “deixar de prover, sem justa causa, a instrução primária de filho em idade escolar”. Sua revogação abre caminho para a aprovação do homeschooling – com o efeito colateral de piorar o problema da exploração infantil.
Desvalorização da escola pública e do magistério
Já o projeto original do Executivo está nas mãos da deputada Luisa Canziani (PTB/PR) que apresentou, como relatora, um substitutivo mantendo as linhas originais do projeto. Ao propor essa pauta, o governo acena à ala de apoio mais ideológica, sobretudo em um cenário de desgaste mostrado pela CPI da Covid e pelas pesquisas eleitorais desfavoráveis. Trata-se, principalmente, dos fundamentalistas religiosos. Salomão Ximenes, professor de Direito e Políticas Públicas da UFABC, afirma que “projeto também tem como propósito a desvalorização da escola pública e do magistério”. Exatamente. Este é o inimigo primordial do bolsonarismo.
Reação vem de vários setores da sociedade
No entanto mais de 350 entidades assinaram manifesto contrário à tramitação dos projetos. Segundo o manifesto, “é evidente a importância da socialização de crianças e jovens na escola, oportunidade para viverem o diferente e o contraditório. Estes são aspectos fundamentais para o desenvolvimento. Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em desenvolvimento, não podem ser compreendidos como propriedades de suas famílias. Devem ser garantidos a elas e a eles os direitos à convivência social e ao acesso aos conhecimentos científicos e humanísticos por meio das escolas, mesmo que esses conhecimentos entrem em confronto com as doutrinas políticas e religiosas de suas famílias”. Assino embaixo!
Igualmente, a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) também se manifestou: “É mais do que comprovado, por meio de evidências científicas, o valor da socialização na formação de cidadãos. Afinal, é na comunidade que nos formamos, nos confrontamos e crescemos como pessoas. É na escola que ampliamos nossa visão de mundo, compreendemos as necessidades alheias. É ali que sentimos a necessidade de construir um mundo melhor para todos, com empatia e solidariedade.” A escola é um espaço de construção de conhecimentos, experiências e vivências significativas e complementares à educação familiar. Uma não substitui a outra, elas se complementam.
O jornal TRIBUNA RIBEIRÃO publicou originalmente este artigo no sábado, dia 05/06/2021
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