A propósito do 21 de abril, quando se comemora o dia de Tiradentes. A foto ilustrativa é o TIRADENTES ESQUARTEJADO, um óleo sobre tela de Pedro Américo. Há dois anos, o facebook suspendeu a sua publicação na minha página com o argumento de que a imagem podia induzir à violência… Antes de tudo, é importante lembrar desse mineiro que deu a sua vida pela Liberdade!
Joaquim José da Silva Xavier era o seu nome. Hoje é possível reconstruir sua história em muitos detalhes, tal a profusão de documentos existentes sobre o Tiradentes. Primeiramente, podemos compreender a sua participação na conspiração mineira, em parte, através dos Autos da Devassa. Trata-se de um longo processo de inquirição para levantar as responsabilidades dos envolvidos na “traição de lesa majestade”. Tenho na minha estante este processo publicado pelo Senado em dez volumes. Neste artigo, quero lhe render homenagem, para além do que ensinamos e aprendemos na escola, pois ainda se divulga pouco sobre ele. É importante lembrar desse mineiro que deu a sua vida pela Liberdade!
Versões e controvérsias
Durante muito tempo, foi destratado pela história oficial ou por uma história crítica sem bases documentais. Assim foi chamado de “louco” e “inocente útil” de um movimento que teria tido participação apenas da elite social à qual não teria pertencido. Por outro lado, essas afirmações contrariam o que encontramos nos Autos da Devassa e em outras fontes.
Ele nasceu em 1746 na fazenda do Pombal, atual município de São João del-Rei, MG. Sua família era de posses e chegou a ter 35 escravos. Assim, seu pai pertencia à elite branca e servira como almotacé (fiscal de pesos e medidas). Todavia, aos 11 anos, ficou órfão de pai e mãe e foi criado pelo tio e padrinho Sebastião Ferreira Leitão, dentista registrado e de quem aprendeu o ofício de dentista prático. Daí, o apelido de Tiradentes.
Da vida de mascate a militar dedicado
A partir dos 19 anos, já era mascate fazendo constantes viagens por todo o interior. Assim tomou contato com a vastidão dos sertões e pôde conhecer profundamente as enormes potencialidades da colônia. Exercia seu ofício durante as viagens, cuidando de escravos e pessoas pobres. Provavelmente, fazia dentaduras com base de ouro e dentes artificiais de marfim ou osso de boi, numa só peça. Ele as executava demoradamente e sob modelo em gesso, o que já era possível para a sua época.
Aos 29 anos, entrou para a carreira militar, no Regimento de Cavalaria de Minas Gerais. Prestou seus serviços em diversos lugares: no Rio de Janeiro, nas forças de defesa da cidade contra ameaças de invasão estrangeira. Em 1780, estava em Sete Lagoas, MG, encarregado da guarda do Registro local, porta de entrada para o Vale do São Francisco. No ano seguinte, já estava no destacamento do Caminho Novo, reprimindo salteadores. Além disso, recebeu missões difíceis dos governadores de Minas, tanto na área de segurança quanto de mineralogia, o que sempre cumpriu com dedicação. Mas durante 14 anos, nunca recebeu uma única promoção.
Já andava morto para fazer um levante!
Entre 1786 e 1789, já envolvido na conspiração, fez uma série de viagens ao Rio de Janeiro para se dedicar a notáveis projetos de melhoramentos urbanos, principalmente de abastecimento de água potável. A Câmara não os aprovou, mas eles foram aproveitados, mais de um século depois, quando se iniciaram, em definitivo, as obras de urbanização e saneamento básico da antiga capital federal.
Em uma sessão da ópera no Rio de Janeiro em 1788, ao entrar no teatro, o receberam com vaias. Isso parece ter sido reação de pessoas contrariadas por sua propaganda libertária que já havia se tornado pública e por seus projetos de mudar o sistema de abastecimento d’água existente. Em Minas, Tiradentes tinha outros apelidos: “o República”, “o Liberdade”, “o Corta-vento” e “o Gramaticão”. Nesse sentido, isso demonstra muito bem como era do conhecimento amplo sua pregação rebelde e sem medo. Uma das testemunhas da devassa, afirmou: “andava morto pra fazer um levante!”.
Buscou a ciência e o conhecimento
Dentre os livros que a devassa lhe sequestrou, um deles se encontra no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Era a Coleção das Leis Constitutivas dos Estados Unidos. Ele o carregava para todo lado, pedindo que lhe traduzissem. Fez isso a diversas pessoas, parece que sem sucesso. Mas esse pedido tinha duplo interesse: tradução e envolvimento pelo tema daqueles a quem queria aliciar. Afinal, o seu conhecimento dessa obra não era superficial. Ele a leu efetivamente, existem muitas anotações nas margens, feitas por ele ou por alguém que tivera acesso ao livro. As notas estão quase apagadas, dispersas em todo o volume, mas ainda é possível lê-las. Comentários interessantíssimos.
Enfim, nesses tempos bicudos, quando facínoras e milicianos no poder colocam a nossa liberdade em dúvida, é importante lembrar desse mineiro que deu a sua vida pela Liberdade!
Este artigo será publicado pelo jornal TRIBUNA na sua edição do dia 23 de abril de 2022.
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