Na última quarta-feira, 12/09, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os pais e as mães não têm o direito de tirar seus filhos da escola para dar-lhes educação exclusivamente em casa. Esta prática é conhecida como “educação domiciliar” ou no termo em inglês “homeschooling”. Ainda bem que mais este golpe na educação brasileira não se concretizou. No julgamento, a maioria entendeu que é necessária a frequência da criança na escola para garantir uma convivência com estudantes de origens, valores e crenças diferentes. Escola não é apenas para passar informações, mas para garantir a formação de cidadãos críticos e conscientes.
Imaginar que a grande maioria das famílias tenha condições de garantir uma educação minimamente decente para seus filhos é um verdadeiro delírio. Permitir a educação domiciliar não tem nenhum efeito benéfico para a população à margem dos bons estabelecimentos de ensino. Elas continuarão a ter nenhuma opção. A tão decantada liberdade de escolha, neste caso, será apenas de uma pequena elite. Esta pretendida liberdade é, de fato, um encarceramento para impedir o convívio com o diferente, o contato com o dissenso, a interação com coleguinhas de outras cores, com outras ideias e preferências.
Virgílio Afonso da Silva, professor de Direito do Estado da USP, chega a afirmar que “a educação doméstica não é apenas uma escolha pelo prédio no qual as aulas ocorrerão, ela é uma escolha por conteúdos, por ideias, por visões de mundo”. O professor de qualquer escola precisa de formação específica e anos de estudo. Na educação domiciliar pode tudo. Como afirma o professor, “é a oficialização do charlatanismo educacional”. É supor que os amores materno e paterno sejam suficientes para que tudo dê certo. No STF, o ministro Barroso, o único voto favorável, divergiu, inclusive, dos fundamentos de um outro voto seu no passado, quando votou contra o ensino religioso confessional nas escolas. Vai entender…
Não que a família deva se eximir da educação dos seus filhos. Muito pelo contrário. Aliás, a educação começa em casa. É fácil perceber que a escola, Estado, família e sociedade são complementares na oferta de uma educação integral. As tarefas de cada um deles não se opõem, mas se complementam. A Constituição esclarece e reforça essa complementariedade a todo instante. A LDB a regulamenta de forma inequívoca. Mas os defensores da educação domiciliar insistem em ler as menções legais de “Estado e família” como se fossem “Estado ou família”. Vê-se, pois, que a divergência é explicitamente política, sobre o papel do Estado.
Escola é para aprender a aceitar o diferente, aprender a ser solidário e fraterno, aprender a conviver, a viver juntos, o famoso “vivre ensemble” dos franceses, apesar de todas as nossas diferenças. E somente um Estado Laico e as escolas laicas poderão garantir esta educação. Na contramão desta visão de educação e de escola, assanham-se projetos estapafúrdios que querem tomar a escola de assalto. Estes têm verdadeiro pavor do diferente, da pluralidade, da diversidade e são alimentados por um certo fundamentalismo religioso que grassa na sociedade. E concluímos alto e bom som: escola é para socializar, sim, senhor!
(Texto originalmente publicado no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)