“Desalento”, um livro de contos que reúne escritores amadores e profissionais em torno de Jardinópolis, será lançado no ida 7 de setembro, às 10h, no anfiteatro da Praça Mané Gaiola (programação completa) durante a 17ª Feira do Livro de Sertãozinho. A obra coletiva, popular e colaborativa, foi organizada por Geraldo Cossalter e João Cilli, e tem abordagem livre sobre o tema.
“Esse conjunto de contos parece seguir na contramão do que vivemos hoje, já que é gratificantemente carregado de reflexões sobre a vida nas suas mais diversas dimensões. É um misto de resignação e vontade de lutar”, avalia o professor e historiador José Antônio Lages, que prefaciou a publicação. Seu texto pode ser lido a seguir, na integra.
Prefácio
Desalento. Logo me lembrei de uma canção homônima de Chico Buarque lançada no início dos anos 70 em parceria com Vinicius de Morais. Marcada por um arrependimento nostálgico, que poderia nas entrelinhas significar uma porção de outras coisas, percebi que este também seria o fio da meada que conseguiu reunir tantos escritores em torno de um livro de contos na nossa querida Jardinópolis. Os anos se passaram mas revivemos hoje uma quadra muito semelhante àquela que não deixou saudades. Não por acaso, esses autores estão juntos aqui. O que os une é a reflexão sobre a vida nas suas mais diversas dimensões entrelaçadas por um misto de resignação e vontade de lutar.
Desalento. Expressão também já incorporada à sociologia do trabalho. São os milhões de brasileiros que já desistiram de procurar emprego, já se resignaram ou já se abateram diante da crise social que assola o país. Diríamos no popular que já jogaram a toalha. E aqui percebemos também que os nossos contistas conseguiram com maestria relacionar a psiqué da dimensão individual com as agruras das condições materiais do cotidiano que atinge a todos nós. Trata-se de um verdadeiro labirinto onde se conhece o ponto de partida, mas o futuro nos é desconhecido. Espaço e tempo. Tempo e espaço nas suas linhas primorosas.
Desalento. Até no futebol. Expressão futebolística para o dia seguinte a derrotas amargas. Como a herança do 7 x 1 e a performance pífia da última Copa que acompanharam bem a crise geral em que nos metemos. Carregamos a alegria sufocada por resultados indesejados para o conformismo de acabrunhados sem perspectivas próximas de uma saída honrosa. A literatura expressa estes sentimentos. Por isso mesmo ela é aberta, não é exclusiva de nenhum grupo privilegiado, de nenhuma plêiade de especialistas. E aqui também os autores dessa obra expressam essa pluralidade e essa diversidade. Muito bem-vindas.
Desalento. Pode ser entendido por melancolia, desânimo, abatimento. Condição do humano diante da realidade nua e crua que a vida muitas vezes nos reserva. Mas não podemos esquecer que, sempre antes desse estado de espírito, temos uma frustração. Desejos calados, reprimidos, abafados. E neste momento existe sempre um conflito, um choque de vetores, um embate entre distintos horizontes. Os protagonistas dessas páginas souberam como ninguém transmitir este conflito da alma e do entorno humanos. Nas suas mais diferentes situações da vida, embate-frustração-desalento marca cada um de seus textos.
Mas o desalento não é a última palavra no nosso caminhar. O caminhar tem um ponto de partida, mas se busca um ponto de chegada. Alguma força motriz poderosa pode nos tirar da prostração. Existe resignação, mas também uma vontade de ir para frente. Enquanto houver vontade de lutar, haverá esperança de vencer. A dialética aqui se faz presente para impulsionar a nossa jornada. Desalento e alento. Nossos autores aqui souberam captar com perspicácia esta mensagem embutida na proposta do título e do tema desta obra. E isso lhe deu vitalidade e uma intrínseca disposição para a vida.
Alento. O autor se identifica com a sua obra tanto quanto seus leitores. Então, perguntamos: quem são estes autores e quem são seus leitores? E encontramos um grande tesouro na ponta deste arco-íris literário. Jardinópolis é uma comuna privilegiada de tê-los como seus filhos, naturais ou adotivos.
Pois é justamente na literatura que descobrimos a identidade como marca registrada de uma comunidade nacional. Não foi por ela que se formaram as referências culturais mais importantes que deram origem aos Estados-nações da Europa? Nas pequenas comunidades isso também pode acontecer.
Alento. É a chama que ilumina os envolvidos nesta obra coletiva e que ilumina também outras iniciativas culturais que reúnem muitos jardinopolenses. Como uma tribo sempre disposta a avançar na conquista de novos territórios até no campo das novas tecnologias como instrumento de mobilização e organização. Está aí o Café com Ideias que não me deixa mentir. Já em sua 38ª edição local, já se sente bastante forte para mandar essa boa nova para Ribeirão Preto em parceria com a Casa das Artes. Pensar e fazer coletivos. Pensar junto, sem obrigação de consenso e respeitando todas as diferenças.
Parece que bem na contramão do que vivemos hoje. Que bom!
Alento. Sem dúvida, é um alento saber que floresce em Jardinópolis um coletivo como o dos amigos das suas bibliotecas. Na sua agenda a defesa do letramento e da leitura como instrumentos de emancipação humana. Instrumento sem parno auxílio ao Poder Público que mantem a Biblioteca Municipal. E não se pode abdicar de referências e exemplos do fazer cultural como o artista de múltiplas formas – Neco Rossetto. Ideias e mãos entrelaçadas que servem de inspiração para os que desabrocham neste vastíssimo mundo da produção cultural. Como apresentador dessa obra, tenho de parabenizar esta iniciativa literária que condensa bem todo este momento alvissareiro da cultura de Jardinópolis.
E, por fim, um grande alento na qualidade literária desses textos que só dignificam seus autores e seus leitores. Grande alento em saber que por aqui viceja aquela vontade imensa de libertar o ser humano dos entraves da ignorância que atravanca a dignidade e o desenvolvimento. Sentir-me irmanado nesta empreitada é para mim um grande privilégio. Um grande alento. É como se fosse o batismo de um filho adotivo que desejo ser a partir de agora. Quero agradecer a confiança que depositaram em mim para fazer a apresentação dessa obra.
Agradecer mais ainda o carinho em poder sentir com vocês este sincero alento de uma obra compartilhada.