Meus primeiros anos de vida foram dentro de uma fábrica de malas. Escrevi no meu último texto. Além disso, esta minha casa ficava bem em frente de um sindicato. Era o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Curvelo. A princípio, talvez isso possa explicar uma certa proximidade ideológica, desde cedo, com o movimento operário e com as teses da esquerda. Muitos dos meus tios e tias trabalharam na Fábrica da Maria Amália. Aliás, trabalho em Curvelo era na Central do Brasil ou na Fábrica. Sim, eu me lembro dos discursos inflamados do Zé Teófilo com quem, muitos anos mais tarde, com ele já aposentado, me reencontraria no Partido dos Trabalhadores. Eu me lembro! Ele foi a maior referência da história do sindicalismo da minha terra.
O cinema fez parte da minha infância
Mas, quando criança, o que mais me atraía ao bairro operário da Maria Amália era o Cine Recreio, propriedade da Cia. Têxtil Othon Bezerra de Mello. Perco a conta dos filmes preto e branco que ali assisti. Charles Chaplin, Cantinflas, Jerry Lewis, o Gordo e o Magro, Joselito e Marisol me encantavam. Adorava o Zé Trindade e o Mazzaropi. Sobretudo as travessuras de Marcelino, Pão e Vinho me marcaram profundamente. Vê-se que a minha devoção ao cinema vem de longe. O Cine Recreio foi inaugurado em 1946, quatro anos depois da fábrica. Aliás, a Fábrica da Maria Amália foi inaugurada no mesmo dia que nasceu a minha prima Lurdinha, em 5 de dezembro de 42. Ela faz sempre questão de lembrar disso.
Aos 8 anos, em 1963, vi a inauguração do Cine Teatro Virgínia. Foi com o filme Canhões de Navarone. Mas o que mais me chamou a atenção foi, antes do filme, um noticiário sobre Os Beatles, que explodiam de sucesso naquela época. Mas aconteceu uma sessão especial, proibida para menores de 18 anos: o espetáculo de revista A Viúva Alegre, com Virgínia Lane e Zé Trindade. Afinal, o Virgínia foi tombado pelo Patrimônio Histórico em 2009. Bons tempos aqueles! Ainda hoje, quando estou em Brasília, não passa uma semana sem eu ir ao cinema. E quase sempre no Cine Cultura, no Liberty Mall… Sem ser garoto propaganda, mas já sendo! O cinema coloca em xeque as contradições humanas. O cinema me politizou!
Histórias pessoais e coletivas
Respirei política desde a infância. Assim, tenho uma apaixonante lembrança dos comícios. Eu era de tomar partido, fazer campanha. Lembro-me dos candidatos de fora que lá apareciam, como João Herculino e Renato Azeredo, deputados de Sete Lagoas. Renato era do PSD, junto com JK e Tancredo, o Herculino era do PTB. Lembro-me que, anos mais tarde, já em BH, encontrei e me tornei amigo do Zé Luiz, neto do Renato. Chegamos a participar do MEP, o Movimento de Emancipação do Proletariado, uma organização de esquerda. Então, o Zé tinha aspirações políticas e disputava com o primo o espólio do Renato. O primo era Eduardo Azeredo que chegou a governador de Minas pelo PSDB. Venceu a disputa familiar. Por fim, o Zé se tornou o querido Zelão, com quem já me encontrei em Brasília e pretendo rever em breve.
Afinal, com todas essas lembranças e andanças na política, óbvio que fui um dos fundadores do PT em minha terra natal, no início dos anos 80. E lá estava eu junto com o querido Afonso Baião, o Virgílio Guimarães, o amigo Juventino, que encontrei recentemente em Sete Lagoas, e tantos outros companheiros. Eu me lembro! Até chegamos a preparar uma visita de Lula à cidade em 81 ou 82. Ele desembarcou na Pampulha e fomos em um fusquinha rasgando o sertão e o vale do Jequitinhonha. Marcamos com ele uma entrevista na Rádio Clube. Mas quando lá chegamos, a entrevista havia sido proibida! O almoço com apoiadores no Clube da Maria Amália também foi proibida pela diretoria e teve de ser transferido às pressas para a casa do Zé Teófilo.
Política onde menos se esperava
Enfim, aos 11 anos fui para o Seminário em Diamantina. À primeira vista, pode parecer que aquele inocente envolvimento político da infância ficaria para trás. Pelo contrário, ledo engano… Dom Geraldo Sigaud, o Arcebispo, era um homem de direita, afinado na época com a TFP. Assim, não preciso falar mais nada. Apenas há três anos antes, Dom Sigaud havia expulsado os padres lazaristas da direção do seminário e, no lugar deles, colocara os padres seculares. Em outras palavras, eram tempos de grandes debates em torno do Vaticano II. O pano de fundo daquela mudança era político e havia alguma relação com o golpe militar. Nada vinha à tona, mas, nos bastidores daqueles tempos, essa mudança de direção explicava muita coisa para os próximos anos. Vivi intensamente essa “muita coisa”. Mas são histórias que ainda vou contar…
O jornal TRIBUNA publicou originalmente este artigo na sua edição de 05/03/2022.
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