Logo depois do Natal, fui convidado pelo jornalista José Fernando Chiavenato a lhe dar uma entrevista de quase uma hora no seu programa Conectado na multiplataforma Thathi. Foi, na verdade, uma conversa super agradável sobre a tese de doutorado que defendi no programa de pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) em 2016. A entrevista se transformou em um interessante diálogo sobre o Vaticano II, Laicidade do Estado, religião como “ópio do povo”, liberdade de crença, crescimento dos evangélicos, indo muito além da própria tese, cujo título é “Ensino do fenômeno religioso na escola pública: área de conhecimento necessária para uma sociedade secularizada”. Difícil encontrarmos um formato de entrevista assim na mídia tradicional. Parabéns, Chiavenato!
Dois dias depois, me deparei com um artigo de Alberto Carlos Almeida na coluna Opinião Política da revista Veja. O título me chamou a atenção: “Fanáticos evangélicos”, uma atualização de outro artigo de dois anos antes. Percebi uma certa convergência entre as suas opiniões e as minhas que coloquei na entrevista, mas com destaque para alguns retoques, e resolvi escrever este artigo para a nossa coluna do jornal Tribuna. Aliás, em meus artigos nesse jornal, com predominância de temas políticos, tenho me referido rapidamente aos evangélicos e já me ressentia de não lhes fazer uma abordagem de forma mais profunda e sincera. Mas, de saída, faço minhas as palavras do meu amigo pastor Adenilson, “é dura a tarefa de entender o mundo evangélico”.
É preciso, distinguir, de saída, a liderança dos evangélicos dos frequentadores de suas igrejas. E quando digo líderes, não quero dizer todos os pastores. Existem muitos deles que têm opiniões sobre quase tudo bem diferentes dos líderes evangélicos que se envolvem com a política. Para quem não tem nem um pequeno verniz de História do Cristianismo e mesmo de Teologia, a imagem que temos deste mundo evangélico é quase sempre a dos seus líderes midiáticos e de sua expressão no mundo político, muito mais do que as pessoas anônimas que
frequentam as igrejas. Por conta da agenda conservadora assumida pela bancada evangélica, acabamos por construir uma imagem negativa dos evangélicos, às vezes até injusta. Como disse Almeida, “a compreensão dos fiéis evangélicos é prejudicada, talvez bloqueada, quando eles [no seu conjunto] são considerados fanáticos, fundamentalistas religiosos, pessoas que desejam substituir a nossa Constituição pela Bíblia. Se nós não os
compreendermos, ficará mais difícil dialogar com eles [e duvido que um futuro governo de esquerda não queira este diálogo]. Os fiéis evangélicos e muitos de seus pastores não são pessoas más ou inimigos da esquerda”. A maioria deles admite que são seres imperfeitos e, portanto, abertos na busca de uma perfeição colocada na visão que possuem de Deus. Apesar da polarização extrema a que chegamos, e muito por responsabilidade da liderança evangélica na política, é necessário e urgente deixar uma porta aberta.
Existe uma determinada visão racionalista que nega a importância das religiões na sociedade, ataca as crenças, e afirma que aquele que acredita nos seus dogmas, acredita em histórias da carochinha. Nunca leram um Boaventura de Sousa Santos e um Edgard Morin, para ficar apenas em dois dos mais conhecidos pensadores da atualidade. Embarcam na visão dicotômica do mundo, da sociedade e da vida, como fé x ciência, fazendo o jogo dos extremos com exclusão mútua. Também nunca chegaram a desconfiar do abismo que separa a espiritualidade (e cedendo mais um pouquinho, a religiosidade) da própria religião. Assim, o
diálogo se torna impossível.
(Texto originalmente publicado em 04/01/2020 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)
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