E isso é muito bom! É ótimo! Muitos amigos e amigas me perguntam porque eu tenho uma certa predileção em escrever aqui sobre o mundo evangélico. Outros me indagam se tenho conhecimento suficiente para tal. Em primeiro lugar, quero esclarecer, mais uma vez, que passei oito anos por um seminário católico. Convivi e ainda convivo muito de perto com amigos, amigas e parentes de formação protestante. Graduei-me em teologia por uma faculdade assembleiana. Fiz uma pós-graduação em teologia em uma das melhores universidades particulares do país, a Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo. Por fim, meu doutorado em Ciências da Religião foi na mesma universidade.
Acredito, com humildade, que posso falar desses temas. Hoje, retorno a eles a partir da notícia trazida pela pesquisa do DataFolha divulgada na última quarta-feira. Em uma eleição hoje para presidente, Lula já estaria com mais votos evangélicos do que Bolsonaro (35% a 34%)! Que guinada, hein? Os evangélicos começam a abandonar o bolsonarismo. Contudo, para quem acompanha o noticiário mais de perto, não foi uma grande novidade. O apoio dos evangélicos a esta excrecência política, que se configurou na última eleição presidencial, já vem se erodindo há algum tempo. Mas, afinal, por que isso está acontecendo? Quem são os evangélicos que começam a abandonar o barco mais anticristão que surgiu entre nós nos últimos tempos?
A pandemia na raiz do pulo do barco
Em recente artigo, Fábio Py, doutor em teologia pela PUC-Rio, atualiza este apoio dos evangélicos a Bolsonaro. Para ele, assistimos, este ano, ao alastramento da pandemia com o surpreendente impacto social causado pelo aumento gritante das mortes. Por isso, o grupo de lideranças evangélicas ligadas a Bolsonaro espalhou na semana santa uma série de imagens simbólicas que ligam à pessoa do presidente temas do cristianismo hegemônico. Fazem isso colocando o presidente como cristão verdadeiro. Afinal, é possível perceber o discurso do cristofascismo, autoritário e odiento, unindo Bolsonaro a esses líderes religiosos e acionando uma ampla campanha de apoio a ele, como ungido por Deus para liderar a nação.
Fábio Py lembra que muitas dessas lideranças que ladearam Bolsonaro na Páscoa do ano passado já não apareceram este ano e já afirmam publicamente seu afastamento do presidente. Antes de tudo, uma das razões disso está na própria pandemia. É forte a presença evangélica nas periferias e justamente ali que ocorrem mais de 70% das mortes. O discurso religioso triunfalista em apoio a Bolsonaro já se desloca visivelmente da realidade vivida por milhões de evangélicos periféricos. Enquanto isso, “o presidente continua com a sua “teologia do poder autoritário”, mas cada vez mais ligado ao bloco político do centrão, lutando com ele pelas suas políticas de confisco econômico, das liberdades culturais e de caça aos diferentes”, afirma Py. Por tudo isso, os evangélicos começam a abandonar o barco do bolsonarismo.
O mundo evangélico não como rebanho e sim como gente
Diante desse quadro, observamos um movimento de mudança de posição no interior do mundo evangélico. Uma maioria, que sempre se alinhou com os pastores midiáticos, começa a se confrontar com uma realidade nada cristã do que Bolsonaro representa. Assim, essa mudança é que começa a se refletir nas pesquisas de opinião com o declínio visível de apoio ao responsável maior pelo genocídio que ora ocorre. Os evangélicos começam a abandonar o bolsonarismo. Mesmo que isso não represente o apoio imediato a uma candidatura progressista como a de Lula, este deslocamento, com certeza, terá forte influência no resultado final das eleições do ano que vem.
Mas um outro grupo vem crescendo também, a passos mais vagarosos. São aqueles alinhados a uma vertente mais protestante do que propriamente pentecostal ou neopentecostal, que sempre tiveram posições políticas mais avançadas. Geralmente, são pessoas e grupos que participam de movimentos sociais de trabalhadores urbanos, de sem-terra, de sem-teto, de mulheres, de jovens, de pessoas negras, grupos inter-religiosos, dos diversos partidos progressistas, que, cada vez mais, tornam pública sua oposição ao governo Bolsonaro. Muitos deles se decepcionaram com o PT, mas tem um posicionamento crítico suficiente para fazer escolhas mais racionais e mais de acordo com os princípios daquilo que reverenciam como a “Palavra”. Mas já é bom irmos nos acostumando em não considerar o mundo evangélico como rebanho e sim como gente.
O jornal TRIBUNA publicou originalmente este artigo na sua edição do dia 15/05/2021.
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