Podem falar o que quiserem das pesquisas eleitorais, mas elas são um elemento importantíssimo para a análise política, mesmo que seus resultados, ao final, não correspondam à vontade dos eleitores expressa nas urnas. Agora, quase toda semana, temos uma pesquisa, com a utilização dos mais diversos métodos e colhendo a opinião da população sobre os mais diversos assuntos. O último Datafolha, por exemplo, pode nos oferecer um panorama muito interessante sobre de onde virão os votos que podem eleger o ex-presidente Lula, em outubro, para um terceiro mandato. Uma análise perfeita foi feita por Miguel do Rosário, a quem recorri para escrever este artigo. As pesquisas vêm mostrando que existem segmentos do eleitorado fechados com o voto na esquerda
Votos feminino e de baixa renda estão consolidados
Sobretudo o voto feminino, que corresponde a 53% do eleitorado, é declaradamente um voto a favor da esquerda e do seu candidato principal, Lula. No histórico do simulado para Lula e Bolsonaro no segundo turno, o petista manteve, nas cinco últimas pesquisas, uma distância em torno de 30 pontos, com mínimas variações. Se a eleição fosse hoje, 60% das mulheres votariam em Lula e somente 29% votariam em Bolsonaro no segundo turno. Não se tem notícia de uma concentração do voto feminino como está acontecendo este ano. Trata-se de um voto muito consolidado. Mas também pudera. Depois que Bolsonaro disse, entre outras barbaridades, que deu uma fraquejada quando teve uma filha e não mais um filho, a reação só poderia ser essa.
Um dado interessante é que os segmentos mais decididos são exatamente aqueles mais propensos a votar em Lula, como famílias de baixa renda, outro grupo em que o petista ganha de lavada. Nesse sentido, entre eleitores com renda familiar até dois salários mínimos, 69% responderam que estão totalmente decididos, percentual acima da média geral, que é de 67%. No Nordeste, 74% dos eleitores estão totalmente decididos. O eleitor de Lula está particularmente determinado: 78% dos entrevistados que declararam voto em Lula responderam que estão totalmente decididos. Já vem de algum tempo a consolidação de um voto para a esquerda na região nordeste. Enfim, aqui não é mais nenhuma surpresa.
As ideias estão procurando se colocar nos devidos lugares
Outro segmento que chama atenção é o eleitor de cor preta. Segundo o Datafolha, neste segmento, Lula vem mantendo uma distância de mais de 40 pontos sobre Bolsonaro nesse extrato da sociedade brasileira, nas simulações de segundo turno. Na pesquisa de março, Lula pontuou 66%, contra 24% de Bolsonaro, entre eleitores pretos. Considero que aqui há uma sensível intuição do eleitor sobre o que está ocorrendo na atual conjuntura política. Afinal, há uma certa percepção de existir por aqui um supremacismo branco representado muito bem por Bolsonaro e seus radicais apoiadores. Em suma, algo não muito diferente do que ocorre com o voto negro nos Estados Unidos a favor dos democratas.
Chama-nos a atenção que, em um eventual segundo turno com Bolsonaro, o ex-presidente Lula ganha em todos os extratos raciais, mas a vantagem cai na medida em que o eleitor embranquece. Entre pardos, Lula vem mantendo uma vantagem de 20 pontos desde a primeira pesquisa da série do Datafolha. Hoje tem 55% contra 34% de Bolsonaro, neste segmento. Entre brancos, a vantagem de Lula é menor, mas ainda assim expressiva, 10 pontos: o petista venceria Bolsonaro por 49 x 39. Miguel do Rosário lembra que Lula avançou dois pontos neste segmento, na pesquisa de março. O voto tem cor, sempre teve, mas, desta vez, parece que as ideias estão procurando se colocar nos devidos lugares.
Maior vantagem de Lula é junto aos mais pobres
Levando-se em conta a renda, quanto menor a renda, mais propenso é o voto em Lula. Os eleitores com renda familiar até 2 salários, representam quase 60% do eleitorado brasileiro. É exatamente junto a esse extrato que Lula vem mantendo a maior vantagem sobre Bolsonaro. No histórico das últimas cinco pesquisas do Datafolha, o petista fica mais de 40 pontos à frente. Nessa última pesquisa, o placar foi de 65% a 25%. Percebe-se, por todos esses dados, que a eleição este ano tende a apresentar um viés de classe, mas também de raça, gênero e de região como nunca tínhamos visto antes. As pesquisas vêm mostrando segmentos do eleitorado muito fechados com o voto na esquerda. Isso pode exprimir a tão falada polarização da sociedade, mas também pode mostrar uma politização muito bem-vinda dos estratos inferiores da pirâmide social.
Este artigo foi publicado originalmente pelo jornal TRIBUNA na sua edição do dia 02 de abril de 2022
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