Para planejar e executar este projeto de Observação e Registro na Fazenda Cravinhos, não se exigiu apenas conhecimento e técnica. Foi necessário, antes de tudo, intensa paixão e verdadeira devoção com a fauna e a flora desse pedacinho do cerrado. Seu horizonte mais distante exprimiu um compromisso solene de todos os envolvidos com a defesa e a preservação da nossa casa comum, a única que temos, este planeta azul que a todos nós sustenta. Foi um trabalho compartilhado a várias mãos que abrirá caminho, com certeza, para outras pesquisas e empreendimentos. Fazenda Cravinhos: reconhecimento de um patrimônio natural e histórico!
Isso sim é responsabilidade social e cultural
Responsabilidade social tem por missão o compromisso dos empreendedores com a sociedade. Isso envolve questões como a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas. O meio ambiente sustentável é, na atualidade, a pedra angular de qualquer negócio. Foi essa a trilha seguida por Luiz Lacerda Biagi, proprietário da fazenda desde 1982, quando, em boa hora, convidou a arquiteta e urbanista, designer gráfico, educadora e fotógrafa Andreza Mancuso para capitanear este projeto. Responsabilidade social que se traduz, agora, por responsabilidade cultural, científica e ecológica. Todos agradecem por esta formidável iniciativa.
A utilidade de um trabalho como este vai muito além da fotografia como arte. Ele impacta diretamente no conhecimento do bioma de transição do cerrado para a mata Atlântica, projetando boas lições nos campos da educação e da aprendizagem. Se a formação de uma consciência cidadã depende da educação e se inicia com as atividades cívicas no nosso entorno, podemos dizer que este registro se pautou também por uma responsabilidade cidadã. Aqui cidadania nos remete à cidade. E neste caso, não poderia ser outra, senão a mais próxima, Cravinhos. Trata-se de uma verdadeira simbiose entre a fazenda e a cidade do mesmo nome.
História e natureza entrelaçados
A compreensão mais profunda da origem de ambas nos impõe um resgate histórico. Um documento judicial de 1834 faz referência à região e afirma que “essa área era tão sertão que, em muitos lugares, não dormiam à noite fazendo rondas com medo de onças”. Ainda não foi registrada nenhuma onça na Fazenda Cravinhos, mas não é de todo impossível. De qualquer forma, visitas noturnas já identificaram o tamanduá bandeira! Aquele documento, no entanto, projetava uma realidade inconteste: a ocupação da região era recente e seria já possível perceber as transformações da paisagem natural provocadas pela presença antrópica.
Depois dos povos originários, foi aquela paisagem natural ocupada por gente do sul de Minas com os primeiros empreendimentos econômicos ligados à pecuária e a uma lavoura de subsistência. A pesquisa histórica aponta a figura de José Antonio Pereira que, com seus dez filhos, adquiriu dos descendentes de Mateus dos Reis Araújo as terras que dariam origem à Fazenda Cravinhos. A cadeia dominial demonstra, através de vários processos de sucessão, que todas essas terras acabaram adquiridas pelos irmãos Barreto, provenientes de Rezende, no vale do rio Paraíba, a partir de 1876.
Terra roxa, café e ferrovia
O mercado de café era promissor e a terra roxa garantia uma produção certeira. O primeiro a chegar foi Rodrigo. Depois vieram Luiz, Cândido, Miguel e Jefferson. O patriarca, José Pereira Barreto, foi o último a abandonar a terra natal. Mas quem adquiriu a fazenda Cravinhos foi Luiz Pereira Barreto que a transformou em uma potência cafeeira. Ele foi o primeiro agrônomo brasileiro, graduado na Bélgica. Foi na sua fazenda que ele fez as primeiras experiências na terra roxa com a variedade do café Bourbon que trouxe de Rezende, variedade que muito bem se adaptou no Novo Oeste. Mas Luiz era também um intelectual, amante das artes e dos livros.
A Fazenda Cravinhos guarda até hoje a marca indelével do período do café. Ainda estão ali o terreiro, os galpões, as casas dos colonos. A origem do nome se perde no tempo, mas a tradição se reporta à abundância dessas flores que ornamentavam as casas dos primeiros moradores da propriedade. A cidade lhe deve o nome e a sua própria vida. Uma relação umbilical liga fazenda e cidade. A Lei Estadual 511 de 22 de julho de 1897 criou o município de Cravinhos, desmembrado de Ribeirão Preto. A chegada da ferrovia, anos antes, foi o ponto aglutinador das sociabilidades urbanas que resultou na formação da cidade.
Aves, borboletas, animais e vidas humanas
Suas 165 espécies de aves, suas borboletas, seus animais, suas árvores e suas flores testemunham a possibilidade da convivência harmoniosa entre a natureza e a humanidade. Pelo bem da vida em todas as suas dimensões, pelo nosso futuro, pelo nosso planeta azul! O projeto de Observação e Registro na Fazenda Cravinhos quer perenizar um patrimônio da natureza perpassada pela história dos homens e mulheres que nela construíram e ainda constroem suas vidas. Uma história que continua sendo contada pela sua grande biodiversidade preservada pelos sucessores de Luiz Pereira Barreto.
Tive a felicidade de colaborar que este maravilhoso projeto. Texto que escrevi em 2021 e agora publicado na abertura da obra “Fazenda Cravinhos: o reconhecimento de um patrimônio natural e histórico”.
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