Extingue-se o Ministério da Cultura. Pergunta e resposta dadas no mesmo dia pelo candidato da extrema-direita à presidência da República. A tragédia que se abateu sobre a nossa memória e a nossa história no dia 02 de setembro tem esta avaliação rasa e nada surpreendente vinda de quem vem. A destruição do Museu Nacional não exige apenas considerações, restritas aos equipamentos contra incêndio ou coisa que o valha. Este assunto tem de ser tratado também no âmbito da política, inclusive da política recente, marcada por retirada de direitos, congelamento dos gastos públicos em saúde, educação e cultura, redução do orçamento das universidades públicas e dos centros de pesquisa científica. E para completar, a extinção da pasta da Cultura, como imaginou fazer o governo Temer e, por aqui, também o prefeito Nogueira.
A destruição do Museu Nacional é um símbolo do momento que estamos vivendo. Simboliza a perda de nossa identidade como nação, réquiem do projeto de um povo que se constrói a partir da sua própria História. É estarrecedor que uma parcela da sociedade não percebe esta tragédia, ou não quer perceber ou faz de conta que não percebe. No intenso debate que se seguiu ao incêndio, pudemos observar isso com muita clareza, principalmente nas redes sociais. De modo muito semelhante ao assassinato bárbaro da vereadora Marielle meses atrás, parece que a vítima (o Museu) virou ré e surge uma nova horda bem capitaneada acusando o Ministério da Cultura de vários “crimes”. Se esta gente ganha as eleições, a primeira imagem que me vem são as fogueiras de livros do regime nazista.
Um dos “crimes” é que o Ministério da Cultura só existe para jogar dinheiro fora com a Lei Rouanet fomentando artistas que ficam aí mamando nas tetas do governo. Eu, particularmente, sou um crítico dessa política pública que só promove a indústria cultural a partir de um conceito de cultura bastante discutível, concentrando recursos formidáveis em poucos projetos que somente atendem ao gosto de uma certa elite da sociedade. O alvissareiro programa do Cultura Viva com seus Pontos de Cultura, que partia de uma outra visão completamente diferente, começou a ser enterrada já no governo Dilma. Mas daí se propor a extinção do Ministério da Cultura é como se quisesse matar o cachorro para acabar com as pulgas. Esta solução tragicômica mostra bem como a ignorância política campeia solta pelo nosso país.
O Museu já não existe mais e a solução dos paladinos da moralidade é acabar com o Ministério da Cultura por causa dos escândalos da Lei Rouanet. Mas sabemos que esta solução fácil esconde outras intenções extremamente estarrecedoras. É um pretexto para um projeto. Significa, nesta visão conservadora de sociedade e de Estado, que o Estado Brasileiro não tem nenhum compromisso e nenhum projeto que fomente e difunda a construção da nossa identidade, da nossa cidadania, da nossa soberania. Visão alinhada com o Estado mínimo, tão ao gosto de boa parte da nossa classe empresarial e dos políticos da direita. Irrompe das profundezas apocalípticas uma verdadeira legião de demônios dispostos a acabar com a nossa liberdade, e agora, também dispostos a renegar a nossa cultura: bolsominions, boçalnetes, fascistas, neonazistas, fundamentalistas, néscios de todas as matizes, iluminatis. Kyrie, eleison.
(Texto originalmente publicado no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)