A lei de cotas raciais, que reserva metade das vagas em instituições federais de ensino superior para pessoas pretas, pardas e indígenas, foi sancionada em agosto de 2012 e está completando 10 anos. Está prevista, no texto da própria lei, a sua revisão depois de 10 anos de vigência. Em tese, isso quer dizer que ela pode ser modificada e até mesmo revogada. Uma questão, no entanto, se coloca desde o início desta discussão: 10 anos foram suficientes para corrigir as distorções de acesso dessas populações ao ensino superior, sabendo que tivemos o genocídio dos povos indígenas e quase quatro séculos de escravidão, seguidos de mais 130 anos de continuada exclusão social, cultural e política? De qualquer forma, a lei de cotas completa 10 anos e com grande êxito!
É urgente e mobilização em defesa da lei de cotas
Logo depois da aprovação dessa lei, a reação dos setores elitistas do Brasil foi enorme. E continua sendo, nos territórios dos partidos da direita e da extrema-direita. É bom lembrar que o antigo PFL que depois virou o DEM e hoje está travestido de União Brasil, entrou com ação no STF, alegando a sua inconstitucionalidade. No entanto, tiveram que enfiar a viola no saco. Hoje, diante do atual quadro de ascensão do conservadorismo, muitas entidades e movimentos democráticos da sociedade civil vêm alertando sobre a necessidade urgente de mobilização em defesa desta política pública que levou a nossa democracia a um patamar superior. A denúncia é de que essa lei corre riscos. Afinal, todo cuidado é pouco!
Vários projetos de lei sobre o assunto estão tramitando no Congresso Nacional. Existe uma proposta de ampliação da lei de cotas com a sua vigência por mais 30 anos. Essa lei continua extremamente necessária para debelar as desigualdades sociais e raciais em nosso país. Outros projetos propõem a ampliação do prazo para sua revisão, só acontecendo em 2060. Há também projetos de lei que propõem que a lei seja permanente para o ingresso de pessoas pretas, pardas e indígenas, pessoas com deficiência e pessoas oriundas das escolas públicas. Mas há também vários outros projetos propondo restrições e limitações de seu alcance, principalmente a retirada do corte racial.
Teto de gastos ameaça a permanência nas universidades
Várias pesquisas já foram feitas sobre os resultados da lei de cotas. E praticamente todas elas apontam o seu grande êxito, não apenas em termos de permitir maior inclusão social na educação, mas também no sentido de que a chegada do povão à universidade deu uma outra cara, muito melhor, ao ensino superior entre nós. Não se sustenta, por exemplo, a opinião de que houve um rebaixamento do nível de ensino. Ou de que o rendimento escolar dos beneficiados pela lei de cotas é menor do que o dos demais. Pelo contrário, não há praticamente diferença. Ainda há certos problemas que precisam ser resolvidos, como a burla no ingresso dos que não têm esse direito, mas as próprias universidades vêm resolvendo isso gradativamente. A lei de cotas completa 10 anos e com grande êxito!
Em recente entrevista ao Brasil de Fato, a professora e pesquisadora da área de ações afirmativas Dyane Brito falou sobre o assunto. Ela apontou que “os cortes recentes no investimento público da educação superior vêm dificultando a permanência dos mais pobres na universidade. E dentre estes, os beneficiados pela lei de cotas”. Sabemos que essas restrições começaram com a Emenda Constitucional 95/2016, a famigerada Lei do Teto de Gastos, logo após do golpe contra Dilma Rousseff. Restrições que tiveram continuidade durante os governos Temer e Bolsonaro, chegando ao estrangulamento das universidades federais. Aliás, essa emenda foi a cereja do bolo do golpe de 2016.
Lei de cotas significa mais democracia
A lei de cotas significa um dos maiores avanços da nossa democracia, tão tristemente agora ameaçada. Precisamos estar vigilantes. Como afirma Dyane Brito, “aquele ou aquela estudante que ingressa hoje na universidade, pela lei de cotas, o faz de forma muito coletiva. É de alguma forma sua mãe e seu pai que não puderam ir para a educação básica que entram de algum modo ali, é sua comunidade que também passa a acessar aquele espaço. Mas por outro lado, ainda há um grande desconhecimento por parte da sociedade em geral.” Precisamos estar atentos para preservar esta conquista. Democracia não é somente o voto, é também participação, inclusão e igualdade.
Este artigo também foi publicado pelo jornal TRIBUNA na sua edição do dia 03 de setembro de 2022
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