Sempre que ouvimos falar em emergências ambientais e, agora, nos extremos climáticos, imaginamos sempre algo muito longe de nós. Não é bem assim. Aquela bem conhecida foto da enchente em 1927 na baixada, nas imediações do antigo Hotel Brasil, não é apenas uma imagem. A princípio, aquela enchente não foi a primeira nem a última. Nem foi a pior. A de fevereiro de 2002 foi muito pior. O vendaval de 1994 ainda está na lembrança de muita gente. Por outro lado, as obras de alargamento do ribeirão Preto não nos garantem que não haverá novas catástrofes. Elas podem se originar muito longe de nós. A natureza tem mandado os seus recados. Inclusive para nós, ribeirão-pretanos.
Ribeirão atrasada no trato dos problemas ambientais
Depois do ocorrido no Rio Grande do Sul, o governo federal mapeou 1.942 municípios suscetíveis a desastres associados a deslizamentos de terras e inundações. Ribeirão Preto está entre eles. Ainda assim, foi surpresa para muita gente. Não deveria ter sido. A administração pública está preparada para esses eventos? O que a Câmara Municipal tem feito? Existe um planejamento face a essas intempéries? Há dotação orçamentária para enfrentar esses desastres ambientais que, como sabemos, são sempre mais trágicos para os mais pobres? Mas não estamos falando de algo imprevisível. A natureza já tem mandado seus recados. E há muito tempo.
Uma referência quando se trata de meio ambiente é o meu querido Perci Guzzo. Ele também tem uma coluna neste Tribuna e já o entrevistei no Conexões Ribeirão. Ele é servidor público de carreira e com uma vida dedicada a ampliar o nosso conhecimento sobre as questões ecológicas e ambientais. Além disso, é ecólogo por formação e Mestre em Geociências, autor de vários livros, como o “Na nervura da folha”, lançado em 2023. Ele escreveu um primoroso artigo no último dia 21/06/2024, intitulado “RP Insustentável”. Nele, denuncia o atraso em que a cidade está no trato dos problemas ambientais. Peço-lhe licença para tomar o seu texto como ponto de partida para algumas abordagens sobre a questão em nossa cidade.
Ribeirão Preto insustentável
Uma advertência de Perci Guzzo nos chama a atenção logo no início do artigo: “Uma obtusidade tomou conta de RP nas últimas décadas quando deixou de ser uma cidade para as pessoas e passou a ser uma mercadoria. Um desvio para o insustentável; aquilo que, de antemão, se enxerga que “vai dar ruim”. E vai mesmo. A natureza tem mandado seus recados. O vértice de crescimento de Ribeirão não leva em conta a sustentabilidade nos seus vários aspectos. Da mesma forma, é uma cidade que se expande para os que tem dinheiro. O mercado esmaga os interesses do coletivo. Assim também, nossas muralhas sociais também refletem a falta de planejamento e de políticas públicas em relação à questão ambiental.
Nosso lixo, por exemplo, é algo assustador. É a segunda maior fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) na cidade. Montanhas diárias de plástico, isopor, papel, restos de alimentos saem de nossas casas. Somos porcões luxuosos, como afirma Perci. Mas também pudera. A gestão dos resíduos pela prefeitura é a pior possível. O lixo é mandado para um aterro privado em Guatapará e o nosso município desperdiça esta verdadeira riqueza que poderia ser transformada em ativos de uma economia circular e solidária. Das 18 mil toneladas de resíduos por mês que recolhemos, só se destina 1% à reciclagem. Reutilização, nem pensar. Igualmente, a coleta seletiva é uma verdadeira balela. Não existe educação ambiental nem vontade política para isso.
Um outro caminho é urgente
Consumimos o dobro de água da média nacional e simplesmente desperdiçamos 43% da água que é distribuída. São dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. O nosso aquífero já está pedindo socorro há muito tempo. Todos se esquecem que a água é um bem finito. Por outro lado, as queimadas sem controle, ação natural ou humana, que aumentaram este ano mais de 300% na região, são algo simplesmente estarrecedor. As frequentes nuvens de poeira como subproduto da monocultura do agronegócio já impactam diretamente o sistema de atendimento à saúde.
Assim, Ribeirão Preto, definitivamente, não está preparada para as mudanças climáticas. E a ganância só piora a situação. Nosso modelo histórico de desenvolvimento, que teima em continuar em vigor, nos torna uma cidade segregada e decadente, como afirma Perci Guzzo. Enfim, a combinação de extremos climáticos, queimadas, desperdício de água e péssima gestão dos resíduos nos leva a um patamar de escandalosa insustentabilidade. O futuro nos pertence e a natureza tem mandado seus recados. Mas a nossa esperança está viva. Acreditamos que uma gestão pública diferente pode ser o início de um outro caminho!
O jornal TRIBUNA também publicou este artigo no dia 17/08/2024
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