Estive recentemente em Belo Horizonte. Programei a minha viagem para coincidir com a estreia, por lá, do filme que há muito eu esperava: “Nada será como antes – a música do Clube da Esquina”, da diretora Ana Rieper. A princípio, BH fez parte da minha juventude e queria estar ali naquele momento mágico. Afinal, me sinto um personagem anônimo dessa história. Ainda conto. Não cheguei a tempo da estreia, mas assisti ao filme no segundo dia de exibição no Cine Belas Artes. Tive a alegria de encontrar amigos queridos de Ribeirão Preto, Clarice Sumi e Marco Almeida. Assim como sentei numa poltrona ao lado do célebre Tostão, de tantas boas memórias da seleção brasileira. Eu era torcedor fanático do Cruzeiro. Aquela noite foi demais!
Como eu queria estar ali!
“Nada será como antes” pode ser nostálgica e soar monótona, como alguém escreveu na Folha. Mas é, sobretudo, leve e sublime. A música do Clube da Esquina tem uma sonoridade e uma poesia que são atemporais e que, por isso mesmo, são eternas. Com influências tão diversas, em especial dos Beatles, ela tem até hoje um diálogo muito forte com a juventude. Seja como for, acredito que muito da sua força ainda hoje vem do fato inspirador de ser uma obra feita por jovens libertários que se juntaram para mudar o mundo. E conseguiram! Não há como não me colocar naquele contexto: o movimento estudantil e o cinema me politizaram! Ouvi isso, também, de algum dos protagonistas do filme.
São canções que nos levam para dentro da nossa memória, do nosso imaginário, uma história de afeto. Em outras palavras, é caminhar por uma trilha que tem algo inexplicável, onírico, ligado ao inconsciente. “Eu já estou com o pé nessa estrada. Qualquer dia a gente se vê. Sei que nada será como antes, amanhã. Que notícias me dão dos amigos? Que notícias me dão de você?” Realmente, nada será como antes. A música de Milton Nascimento deu título ao filme. Assim, eles fizeram a cabeça de muita gente, inclusive a minha. Precisam sempre ser lembrados: Bituca, Toninho Horta, Wagner Tiso, Lô Borges, Beto Guedes e Márcio Borges, Flávio Venturini e tantos outros. Afinal, fico imaginando essa turma se encontrando na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis no bairro de Santa Tereza. Como eu queria estar em BH nessa época!
Eram os Beatles brasileiros
A própria Ana Rieper reconhece que “não dá pra fazer um filme que trate de tudo sobre o Clube da Esquina”. Concordo. E ficou de fora uma passagem marcante do encontro desses meninos com o ex-presidente Juscelino Kubitschek na sua cidade natal, Diamantina. Era junho de 1971. Eu estava lá. A turma do Clube da Esquina tinha ido à cidade para uma reportagem com a equipe da revista “O Cruzeiro”, cujo objetivo era retratar aqueles meninos como “os Beatles brasileiros”. Do mesmo modo, JK, perseguido pela ditadura militar, também estava em Diamantina gravando com a revista “Manchete”. O inesperado encontro foi capturado pelas lentes do fotógrafo mineiro Juvenal Pereira na porta do Seminário onde eu estudava.
A estudantada saiu em alvoroço para se encontrar com tão ilustres visitantes. E fomos também capturados por aquelas lentes históricas. Curiosamente, aqueles registros do Clube da Esquina com JK, hoje tão famosos, não foram aproveitados pela revista na época. Com o tempo, porém, e com o lançamento, em 1996, do livro “Os Sonhos Não Envelhecem: Histórias do Clube da Esquina”, de Márcio Borges, as fotos de Pereira foram publicadas e se tornaram icônicas. Eu estava ali, todo sério, de óculos, encostado na grande coluna ao fundo, alheio a todo aquele burburinho cheio de significados. Ao meu lado, o amigo do curso de filosofia, Edson Passos, que nunca mais eu vi, mas sei que ainda resiste em Peçanha, no interiorzão de Minas.
Como uma janela que se abrisse para o mundo
Anos depois, quando fui trabalhar em Brasília, em 2006, estive, pela primeira vez, no Memorial JK e aí foi outra surpresa. Sua câmara mortuária localizada no andar superior é cercada por enormes painéis com fotos marcantes da vida do ex-presidente. A primeira delas que surge, de repente, para quem acaba de subir o último degrau da escada, é justamente aquela foto do encontro de JK com o Clube da Esquina em Diamantina. Apenas com errinho cronológico. Não foi em 1972 e sim em 1971. Eu ainda estava lá. Em 72, eu já estava em Juiz de Fora. Sair de Diamantina e ir para Juiz de Fora foi um parto. Enfim, o Clube da Esquina fez parte dessa minha transição. Foi como se uma janela se abrisse para o mundo. Com um passarinho vermelho que saiu a cantar e a espalhar as boas novas surgidas naquela famosa esquina!
Este artigo foi publicado também no jornal TRIBUNA na sua edição do dia 13 de abril de 2024.
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