Esmagar Bolsonaro nas urnas é uma verdadeira missão para nós, democratas, neste 2 de outubro. Sabemos, no entanto, que o Bolsonarismo vai continuar assanhado entre 2 de outubro e 1º de janeiro, e mesmo muito tempo depois. Por isso, não basta esmagar Bolsonaro nas urnas. Um texto da antropóloga Letícia Cesarino é elucidativo. Para ela, Bolsonaro atua sempre em dois níveis, da política e da meta-política, alterando moderação e radicalização. À medida que se aproxima a possibilidade de uma vitória de Lula no primeiro turno, precisamos estar mais atentos à inédita ameaça colocada pela meta-política bolsonarista. A princípio, o modelito já foi experimentado nos Estados Unidos. Assim podemos dizer que este filme nós já vimos.
Lobos solitários andam por aí
Para o seu gado, o mundo continua do avesso. É incrível como estão certos de que quem vencerá no primeiro turno é Bolsonaro. No entanto, na vida real, sabemos que o mais provável é que ocorra o contrário. Então, perguntamos: qual o risco real de violência, parecido com o que ocorreu no Capitólio? Cesarino nos responde: “é preciso um tipo de previsibilidade que existe no modo como o bolsonarismo funciona. O bolsonarismo não é uma força política comum, que segue os valores e procedimentos das ‘quatro linhas’ da democracia representativa. É, antes de tudo, a expressão de ressentimentos e medos”.
A ameaça de ruptura institucional é improvável. Seja como for, a sociedade brasileira, praticamente em uníssono, já se posicionou a favor da Democracia, da Constituição e das urnas eletrônicas. Mas aquela ameaça, implícita ou explícita, é sempre uma possibilidade no nível das relações intersubjetivas. De acordo ainda com Cesarino, prever onde e quando ocorrerá a passagem da ameaça ao ato é impossível, dada a própria natureza afetiva dessa identidade (meta)política. A figura de um tipo de lobo solitário, que vemos pelo mundo afora, está presente aqui também. Vimos, já nessa campanha eleitoral, a sua ocorrência em diferentes pontos do país.
Fato e ficção, ameaças e brincadeiras
As ameaças são interpretadas como brincadeiras pelos bolsonaristas. Não são. São reais e os fatos estão aí para comprovar. Letícia Cesarino aprofunda esta questão: “a ‘brincadeira’ aparente inócua esconde um risco real, que se ancora em processos nem sempre visíveis […]. O tipo de política manifestada pelo bolsonarismo e outras forças de extrema-direita opera próximo ao nível meta-comunicativo primário que Gregory Bateson desenvolveu em A Theory of Play and Fantasy (Uma Teoria da Brincadeira/Jogo e Fantasia). Trata-se de um nível […] pelo qual fronteiras de grupo são testadas e traçadas por meio de performances de ameaça, jogo/brincadeira, comportamento histriônico, autocomiseração, entre outros”.
Dessa forma, podemos dizer que, na prática, os indivíduos podem retroceder a esse plano comunicativo mais fundamental, quando não confiam mais nas instituições historicamente criadas para organizar as fronteiras e identidades coletivas. Para Gregory Bateson, lembra Cesarino, os comportamentos são, em última instância, o mesmo. Entretanto, no mundo ocidental, tendemos a separar fácil demais brincadeira de ameaça, fato de ficção. Já para outras culturas, essa é uma linha tênue com a qual se tem bem mais cuidado, sendo essas contradições e os riscos nelas implicados geridas, normalmente, por meio de rituais.
Um mundo irreal que pode nos conduzir à violência
Podemos concluir que para aqueles brasileiros que deixaram de confiar na legitimidade do sistema eleitoral, a passagem da brincadeira às vias de fato, é uma questão de simples contingência. Afinal, a depender de como o encontro com o “inimigo” aconteça, a arminha com a mão pode facilmente se transformar numa arma verdadeira, caso uma esteja por perto. Como afirma Cesarino, “nos públicos bolsonaristas, a cama já está feita para esse tipo de plot twist: a deslegitimação das instituições do Estado democrático de direito avança a passos largos, os indivíduos estão se armando, o mundo invertido onde Bolsonaro está à frente nas pesquisas com chances de vitória no primeiro turno já é uma realidade.” Por isso, não basta esmagar Bolsonaro nas urnas.
Por fim, acreditamos que as nossas instituições democráticas sejam fortes o suficiente para enfrentar toda essa pérfida conjuntura e que a derrota eleitoral do bolsonarismo possa abrir caminho para um Brasil mais solidário, fraterno, pacífico e feliz!
O jornal TRIBUNA também publicou este artigo na sua edição do dia 01/10/2022
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