Esta é, literalmente, a CPI do fim do mundo. Sobressaltos diários, a tal ponto que a mídia nem consegue acompanhar com a competência que já exibiu outrora. Em primeiro lugar, parece mais um enredo de fim de festa. Um governo, que se dizia incorruptível, perde a bandeira mais lustrosa que o levou ao Planalto – que já não é mais um palácio. E era a única que lhe restava. Carla Zambelli já pede orações diante da avalanche de denúncias com testemunhas, documentos e provas cabais. Mas nem Deus quer saber desse diabo travestido de messias libertador de todas as nossas seculares mazelas. Você sabe quanto vale a nossa vida? Se cada um de nós temos de tomar duas doses, nossa vida vale dois dólares!
Negacionismo permanece
Não tire conclusões precipitadas. Não houve uma mudança de foco. O foco é o mesmo, só que com várias facetas transversais e interdependentes. A princípio, o negacionismo como pano de fundo de uma trama que não poderia deixar de fora a corrupção. Negaram a pandemia. Depois, alardearam, o tempo todo, contra as medidas de distanciamento social. O que valia era a imunidade de rebanho. Debocharam dos milhares de mortos. Sabotaram a compra da vacina. Mas por que tramaram até contra as vacinas? Para dar tempo ao tempo e poderem roubar. Roubar na compra das vacinas não é só roubar dinheiro público. É matar brasileiros.
Por outro lado, a mistureba de negacionismo, incompetência, ignorância e corrupção, explica agora o resultado. E este não poderia ser outro a não ser o genocídio de mais de 500 mil pessoas. Afinal, o governo do genocida deixou de comprar as vacinas na hora certa, quando todos os países do mundo faziam as suas encomendas. O que descobrimos, a partir da instalação da CPI, foi escancarado na última semana: eles só topavam comprar vacinas de fabricantes que aceitavam pagar propina. Por isso a demora. Os que não entraram no jogo foram postergados. Os que entraram foram apressados. E quem pagou com o prejuízo e com a vida fomos todos nós.
US$ 1 a mais em cada dose
Bolsonaro impediu o quanto pôde a compra da Coronavac. E não era pela origem chinesa ou pelo protagonismo do governador Dória no acordo inicial com a Sinovac. Igualmente, Pazzuelo cozinhou a Pfizer de maio do ano passado a março deste ano, quando finalmente foi assinado o contrato para aquisição da vacina mais usada em todo o mundo. Óbvio que podemos concluir que demorou tanto porque não se apresentaram as condições para um pedido de propina que envolvesse a China e Xi Jimping. Todos sabemos que, na China, crime de corrupção se paga com uma bala na cabeça e a conta enviada para a família.
Conforme revelou à Folha de São Paulo, o executivo Luiz Paulo Domingueti, que representava a Davati Medical, para comprar 400 milhões de doses da Astrazeneca, “o grupo” que operava a corrupção no Ministério da Saúde exigia que US$ 1 fosse acrescido ao preço de cada dose e repassado ao esquema. Isso representava uma propina de R$ 2 bilhões. Quem lhe propôs tal negócio sujo foi Roberto Dias Ferreira, o diretor de logística que mais pressionou o funcionário Luis Miranda para liberar a importação da Covaxin apesar das irregularidades explícitas. Se cada um de nós temos de tomar duas doses, nossa vida vale dois dólares! Por fim, Ferreira foi exonerado na última terça-feira.
Nas malhas da corrupção
Mas não acabou. Após avisar o presidente sobre as irregularidades na compra da vacina Covaxin, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) teria recebido uma oferta de propina para não atrapalhar a negociação. Poucos dias depois de falar com Bolsonaro, Miranda participou de uma reunião no Lago Sul, em Brasília, com Silvio Assis, lobista ligado ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados. Durante a reunião, Miranda recebeu uma oferta milionária para que ele e o irmão, o servidor do Ministério da Saúde, não se envolvessem no caso da vacina indiana. Por fim, para completar este enredo, nem faltou áudio fake como cavalo de Tróia na CPI.
Em suma, a desumanidade deste desgoverno atinge patamares inimagináveis. Negócios bilionários não acontecem sem intermediários e sem corrupção. Assim também, esta é a lógica do capitalismo. Fico pasmo e estarrecido com o fato de que milhões de pessoas podem ser enganadas ou continuarem a ser enganadas com tanta mentira e ignorância. Seja como for, todos conheciam o DNA dessa “familícia” que ocupa o Planalto. E faço minha a síntese perfeita do querido José de Abreu: “um dólar por dose, duas doses para cada pessoa, dois dólares pelo direito de viver ou morrer”. É isso mesmo. Quanto vale a vida de cada um de nós? Nossa vida vale dois dólares!
O jornal TRIBUNA publicou originalmente este artigo na sua edição do dia 3 de julho de 2021
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