Por que o Brasil de Bolsonaro e Olavo de Carvalho veem em Paulo Freire um inimigo? Vamos procurar responder a esta pergunta com base em uma análise muito interessante feita por Sérgio Hadad, um dos fundadores da Ação Educativa, e publicada na Folha de São Paulo no dia 15 de abril. Na onda conservadora que ofusca a inteligência do país, Paulo Freire passou a ser visto como inimigo público e responsabilizado pelos maus resultados dos índices da educação. De saída, é bom enfatizar que ele ficou conhecido como o autor de um método que permitia a alfabetização dos alunos e alunas a partir da reflexão sobre a realidade em que viviam.
Em uma entrevista em 94, na Folha de São Paulo, citada por Hadad, Freire comentou as razões de seu método não ter erradicado o analfabetismo no Brasil. “Em tese, o analfabetismo poderia ter sido erradicado com ou sem Paulo Freire. O que faltou foi decisão política. A sociedade brasileira é profundamente autoritária e elitista. Nos anos 60, fui considerado um inimigo de Deus e da pátria, um bandido terrível […] Você veja o que é a história. Hoje diriam apenas que sou um saudosista das esquerdas. O discurso da classe dominante mudou, mas ela continua não concordando, de jeito nenhum, que as massas populares se tornem lúcidas”, afirmou na ocasião.
Passados 20 anos da sua morte, Freire voltou a ser alvo de ataques nas redes sociais e nos discursos políticos da extrema-direita. Parece ser essa a sina do mais importante educador brasileiro. Há 50 anos, Freire era preso e exilado pelos militares. Ele desenvolvia na época um programa nacional de alfabetização, inspirado em projeto que desenvolveu no Rio Grande do Norte com cerca de 400 jovens e adultos. Este projeto ganhou notoriedade internacional por se propor a concluir em 40 horas o processo de alfabetização e a formar cidadãos mais conscientes de seus direitos e dispostos a defendê-los de maneira democrática.
Os golpistas afirmavam que o método poderia desestabilizar o país ao capacitar grande quantidade de pessoas para o voto, permitindo que setores populares influíssem de maneira mais consciente em seus destinos. Seria necessário, portanto, banir e deslegitimar o método e seu autor. Exatamente o que fazem hoje os bolsolavetes. Hadad lembra que o tenente-coronel Hélio Ibiapina Lima —um dos 377 agentes do Estado apontados pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade por violar direitos humanos e cometer crimes durante a ditadura militar— acusou Paulo Freire na época de ser “um dos maiores responsáveis pela subversão imediata dos menos favorecidos”.
No prefácio do livro de Freire “Educação como Prática da Liberdade”, Francisco Weffort, ministro da Cultura de FHC, afirmava sobre aqueles tempos: “Nestes últimos anos, o fantasma do comunismo, que as classes dominantes agitam contra qualquer governo democrático da América Latina, teria alcançado feições reais aos olhos dos reacionários na presença política das classes populares… Todos sabiam da formação católica do seu inspirador e do seu objetivo básico: a alfabetização do povo brasileiro e a ampliação democrática da participação popular… Preferiram acusá-lo por ideias que não professava a atacar esse movimento de democratização cultural”. Que atualidade as palavras de Weffort!
Exilado por 15 anos, Freire regressaria ao Brasil em 80, reconhecido como um dos mais importantes educadores do mundo. Havia percorrido diversos países a convite de universidades, igrejas, governos. Nos últimos dez anos de seu exílio, trabalhou para o Conselho Mundial de Igrejas, com sede em Genebra. No seu retorno, começaria a dar aulas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Unicamp. Em 88, a prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, o chamou para ser seu Secretário da Educação. Freire seria agraciado em vida e in memoriam com 48 títulos de doutor honoris causa por diversas universidades no Brasil e no exterior. Instituições de ensino de várias partes do mundo o convidaram para tê-lo no corpo docente. (Continua no próximo sábado)
(Texto originalmente publicado no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)