Na onda de intolerância que tomou conta do país a partir de 2015, grupos foram às ruas com propostas antidemocráticas. Era comum encontrar cartazes com frases do tipo “Chega de doutrinação marxista, basta de Paulo Freire!”. Com a vitória de Bolsonaro nas eleições, as críticas ao educador e ao seu pensamento ganharam reforço contundente, estimuladas pelo escritor Olavo de Carvalho. Durante a campanha eleitoral, em palestra para empresários no Espírito Santo, o então candidato Bolsonaro afirmou: “A educação brasileira está afundando. Temos que debater a ideologia de gênero e a ‘Escola sem partido’. Entrar com um lança-chamas no MEC para tirar o Paulo Freire de lá”.
Um dos principais adversários de Paulo Freire, o movimento “Escola sem partido” se propõe a coibir a doutrinação ideológica nas escolas. Estabeleceu como estratégia política aprovar leis para vigiar as ações de professores, produzindo um clima de perseguição política e denuncismo. Para Sérgio Hadad, em nome de uma inexistente neutralidade, omissos em relação aos verdadeiros dilemas da educação brasileira, aquele movimento tenta desqualificar Freire. Uma proposta legislativa patrocinada pelo movimento chegou a ser debatida no Senado para retirar de Freire o título de patrono da educação brasileira. Depois de uma intensa batalha, a demanda não foi aprovada.
Freire acreditava no diálogo como método de apreensão do conhecimento. Defendia que os educandos fossem ouvidos, que exprimissem as suas ideias como exercício democrático e de construção de autonomia, de preparação para a vida. Propunha o diálogo efetivo, crítico, respeitoso, sem que o professor abrisse mão de sua responsabilidade como educador no preparo das aulas e no domínio dos conteúdos. Era contra a educação de uma via só, em que o professor dita aulas e o aluno escuta; em que o primeiro sabe e o segundo, não; em que um é sujeito e o outro, objeto. Para ele, todos tinham o que aportar neste processo de diálogo, assim como todos aprendiam em qualquer processo educativo.
Coerente com o que escrevia e pensava, procurou tratar seus interlocutores e críticos, fossem eles de qualquer espectro, com igual respeito. Aprendia com os diálogos, os debates e as polêmicas nos quais se envolvia, refazendo muitas das suas posições. Olhava a educação como um produto da sociedade, reflexo de projetos políticos em disputa, naturais em qualquer sociedade democrática que aposta no debate de ideias para constituição do seu futuro. Não acreditava em uma educação neutra, verdade reconhecida há anos pela sociologia da educação, mais uma vez constatada na gestão dos dois ministros da Educação de Bolsonaro.
O novo ministro, Weintraub, atuou por mais de 20 anos no mercado financeiro. A exemplo de Vélez, nunca exerceu cargo de gestor público em educação. É também um seguidor de Olavo de Carvalho e não tem deixado de lado o discurso de combate ideológico. Ele é mais um que enxerga comunistas em todas as partes, dominando as universidades, os meios de comunicação e setores do mercado. Em sentido oposto, Paulo Freire, como cristão comprometido com os mais pobres e discriminados, bebeu de diversas teorias para realizar pedagogicamente valores que tinham como fundamento uma profunda crença na capacidade de o ser humano se educar para ser partícipe na construção de um mundo melhor.
Para Sérgio Hadad, no seu artigo publicado na Folha de São Paulo em 15 de abril, em seu percurso intelectual, Paulo Freire não se ateve a uma única corrente de pensamento, tendo sido muitas vezes criticado por isso. Escolhia, dentre as diversas teorias, aquelas que melhor ajudassem a realizar o seu compromisso ético de cristão ao lado dos oprimidos, inclusive o marxismo. Em diálogo com Myles Horton, educador norte-americano, no livro “O Caminho se Faz Caminhando”, reafirmaria sua postura: “Minhas reuniões com Marx nunca me sugeriram que parasse de ter reuniões com Cristo”.
(Texto originalmente publicado no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)