Os seguidores do candidato da extrema-direita nas eleições-fake de domingo passado causam mais arrepios do que o próprio candidato. Muitos especialistas acreditam que a sua avalanche de votos vem principalmente do antipetismo. Tenho cá minhas dúvidas. Tendo a acreditar que seus eleitores se identificam com o que ele fala e defende. Por muito tempo, votaram no PSDB a contragosto. Agora, encontraram um espelho em que puderam se identificar plenamente. É como se todos os demônios saíssem do armário. Durante muito tempo também, acreditei que as pessoas não erram ao votar já que fazem suas escolhas de acordo com as informações que tem. Desta vez, isso caiu por terra. Tivemos informações de sobra, o debate foi escancarado. Me desculpem, mas votaram em ambos os candidatos com toda consciência do que estavam fazendo.
É possível identificar os últimos anos do nosso país com os acontecimentos políticos da Itália na década de 1920. Não se trata apenas de uma simples analogia. O ovo da serpente vinha sendo esquentado há uns cinco anos e acabou sendo chocado no último domingo aqui entre nós. Para mim, isso ficou explícito nesta última campanha eleitoral. Estou utilizando aqui a figura criada por Dino De Laurentis no seu emblemático filme de 1977, dirigido por Ingmar Bergman. O clima de medo e intimidação é o mesmo criado pela deputada do PSL de Santa Catarina, Ana Carolina Campagnolo, que incitou estudantes a gravarem as aulas de professores “doutrinadores”. Foi imediata a reação do Ministério Público.
Para o escritor Umberto Eco, o fascismo se baseia no culto à tradição, na rejeição a tudo que é considerado moderno, no culto à ação pela ação, no medo das diferenças, na obsessão pelo golpismo, no desprezo pelo fraco, em um populismo seletivo e no uso de novas expressões linguísticas e gestos que traduzem força, autoridade e coerção. Para Roger Griffin, professor da Universidade de Oxford, o fascismo é um projeto anti-liberal e multiclassista. Ele surge sobre uma complexa gama de influências culturais do passado. Ele afirma que, no período entre-guerras, o fascismo se manifestou através de “partidos políticos armados” liderados por elites populistas se opondo ao liberalismo e ao socialismo, prometendo uma política radical para salvar o país da decadência.
Os últimos acontecimentos no Brasil demonstram uma relação estreita com tudo isso. O assassinato em Salvador do mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katende, pode ser considerado o lado mais sanguinário do tal tsunami. A invasão policial de universidades para retirar faixas antifascistas mostrou a cumplicidade de parte do Estado. Mas foi prontamente repelida pelo STF. Tivemos pichações racistas e homofóbicas em banheiros de várias faculdades, inclusive em Ribeirão Preto. Após o segundo turno, um grupo de alunos neonazis, caracterizado com uniforme militar e armados, adentrou a FEA-USP, na capital, gritando “começou a nova era”. Outro grupo de neonazis boquirrotos invadiu o campus da UNB, em Brasília, e foram rechaçados pelos estudantes. E tudo isso está só começando. Podem anotar.
Podemos esperar pelo pior. As primeiras medidas prometidas pelo próximo governo de extrema-direita já são um desastre. Haverá resistência. Estamos na resistência. Kyrie, eleison.
(Texto originalmente publicado no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)