Para início de conversa, é preciso fazer alguns esclarecimentos conceituais. Aliás, uma advertência, em boa hora feita por Altierez Santos, brilhante teólogo, doutorando na Metodista de São Paulo, na próxima edição do nosso programa CONEXÕES RIBEIRÃO. Utilizamos a torto e a direito o termo “evangélicos”, mas este é de uma grande imprecisão. Cabe neste balaio uma porção de denominações que guardam marcantes diferenças entre si. Enfim, encontramos diferenças que podem ser percebidas até nas posições assumidas por diversos grupos diante do quadro sanitário e político atuais.
Apesar de origens históricas comuns, a partir da Reforma Religiosa de Lutero no século XVI, é preciso fazer um primeiro corte para separar os grupos protestantes tradicionais. E aqui entram luteranos, presbiterianos, anglicanos e, de certa forma, metodistas e batistas, mais alicerçados no espírito e no carisma da Reforma. Outros grupos, originários no início do século XX e que são numericamente dominantes hoje no Brasil, são os pentecostais e neopentecostais, com marcas mais profundas em certas doutrinas, como o batismo no Espírito Santo. Podemos aprofundar essas características e diferenças em outra oportunidade.
Movimento anti-vacina e anti-intelectualismo
Mas vamos ao que nos interessa neste artigo. Existem alguns setores que resistem à imunização. A princípio, isso acontece no Brasil e no mundo. Um dos grupos, que mais surpreende, tem sido o de evangélicos pentecostais e neopentecostais, que, no caso brasileiro, são movidos por motivações religiosas e políticas. Uma pesquisa do Datafolha de março mostra que apenas 20% desse grupo disseram ter sido vacinados contra a doença, percentual que fica abaixo dos católicos (31%) e a média da população (25%). Dos entrevistados, 10% disseram que não pretendem se vacinar, o dobro dos católicos (5%).
Vamos mais a fundo nas motivações religiosas dessa postura. Em síntese, ouso dizer que o ponto de partida é a superficialidade da fé sem nenhum compromisso social e regada por um forte anti-intelectualismo. Afinal, não é à toa que a liderança de muitas dessas denominações proíbe seus fiéis de fazerem qualquer curso de teologia. Podem colocar a “fé” em perigo. E, pior ainda, cursos de Ciências da Religião. Imagine a história, a antropologia, a sociologia e outras ciências estudarem a religião… seria uma verdadeira apostasia. Assim também, assimilam o texto bíblico de forma literal, não admitindo nenhuma interpretação, nenhuma contextualização.
Conspirações de todo tipo
A teologia rasa de que são seguidores dá vazão a todo tipo de crendices e interpretações estúpidas do texto bíblico. Por outro lado, o charlatanismo deita e rola nessas igrejas. Igualmente, campo fértil também para todo tipo de fake news. A reação às vacinas não vem de agora. É antiga e muito anterior à pandemia do coronavirus. Um trecho bíblico do Apocalipse afirma que, no final dos tempos, a “besta” (o demônio) terá uma marca nas pessoas e alguns pastores o difundem como sendo uma referência à vacina! De maneira idêntica, afirmam e acreditam que a vacina esteriliza as mulheres ou que introduz um chip para controlar as pessoas. Conspirações de todo tipo. O ponto de partida é a superficialidade da fé.
Marca da besta e feijões que curam
“Somos antimáscara, antidistanciamento social e antivacina”, disse ao jornal Deutsche Welle o pastor Tony Spell, da igreja Tabernáculo da Vida. “Quando eles dizem que a maneira de curar a Covid-19 é com uma vacina, sou extremamente cauteloso. Essa é a marca da besta”, afirmou o rapper americano Kanye West, cristão conservador e de direita, à revista Forbes. Assim também no Brasil, alguns pastores também espalharam fake news sobre a cura da Covid-19, como Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus. O Ministério Público Federal o multou por comercializar grãos de feijão que teriam o poder de curar a Covid-19. Seu vídeo foi retirado do ar pela Justiça.
Um estudo conduzido pela Universidade de Oxford e pela Unicamp – e divulgado pela Folha no último dia 18 –, mostra que os evangélicos pentecostais e neopentecostais foram os mais propensos a acreditar na eficácia do chamado “tratamento precoce” (uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, como a Cloroquina) do que o restante da população (36% a 19%). Está aí uma das fortes razões que explicam porque este segmento continua sendo um dos sustentáculos do bolsonarismo. No entanto, as últimas pesquisas de opinião vêm mostrando uma certa debandada. Ignorância tem limite. Ainda bem!
O jornal TRIBUNA publicou originalmente este artigo na sua edição do dia 26/06/2021
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