Christian Schwartz escreveu um primoroso texto na Folha de São Paulo do último domingo, intitulado “Violência anti-intelectual da classe média sustenta Bolsonaro”. Basicamente, ele rejeita a teoria de uma cisão identitária nas últimas eleições e atribui o seu resultado a setores da sociedade que veem a educação como artigo de perfumaria. Trocando em miúdos, ele afirma que o capitão ganhou as eleições pela união das camadas médias da sociedade que encaram a educação como alguma coisa ornamental ou pragmática. Sempre havíamos desconfiado disso, mas nunca imaginávamos sua incidência sobre as eleições. Vejamos melhor esta questão.
Schwartz contesta a escritora Eliane Brum, autora da tese de que, pela primeira vez, o presidente representa o “homem mediano”. É verdade que nunca se avançou tanto nos últimos anos nos direitos de gênero, classe e, especialmente, raça. Afirma Brum que “o reconhecimento destes direitos e a ampliação do acesso dos negros a espaços até então reservados aos brancos teve grande impacto no resultado eleitoral”. Para ela, o novo presidente representou aqueles que perderam privilégios. Para ela, foi assim que um homem medíocre como Bolsonaro virou “mito”. Lembram-se do livro “Escuta, Zé Ninguém!” de Wilhelm Reich?
Brum ainda afirma que em vez de votar naquele que reconhecem como possuidor de qualidades superiores para governar, “[…] escolheram um homem parecido com seu tio ou primo. Ou consigo mesmo”. Já para Schwartz, não se trata de culpar a classe C dos anos petistas pela “calamidade” eleitoral, mas de reconhecer que sem os votos desse contingente de remediados de ascensão recente, não haveria extrema-direita no poder. Marcas identitárias passam a segundo plano na eleição. Se lembram de mulheres, negros e gays fazendo campanha para o “mito” e deixando a esquerda desnorteada? E o pobre de direita? Por mais penoso que seja aceitar isso, fatores de gênero, raça e classe não foram assim tão decisivos na eleição.
Tendo a concordar com Schwartz. Quem ainda se lembra do anedotário sobre os aeroportos transformados em rodoviárias para suposto furor de seus “ricos” frequentadores habituais contra “pobres” – a nova classe média – de primeira viagem? Pois acabaram votando unidos em Bolsonaro, numa aliança cheia de emoção… Se o “homem mediano” – branco, de classe média tradicional ou novo rico, heterossexual e semi-letrado chegou lá, não foi porque esse perfil masculino e opressor prevaleceu. Me parece que prevaleceu mais um traço subliminar ligado à educação que perpassa distintos segmentos sociais. Temos de admitir o fracasso da educação.
De fato, para boa parte da sociedade “se formar” interessa apenas como algo ornamental ou pragmático, uma educação instrumentalizada, causa principal da selvageria retórica que vemos nas mídias sociais: a violência anti-intelectualista talvez seja mais visível do que nunca. E nela tomam parte, os mais distintos segmentos sociais, os egressos das melhores e piores escolas, aliás, um fenômeno globalizado, como aponta Schwartz. Como eu mesmo já fui xingado de “professorzinho de merda” no facebook… E seria bom uma rápida advertência: “não é justo dizer que os democratas preferem ser governados por idiotas e ignorantes” (Runciman in Como a Democracia chega ao fim).
É verdade que a democracia liberal não discrimina com base na falta de conhecimento nem exige a capacidade de pensar de forma inteligente sobre questões difíceis. Mas ela tem a grande virtude de moderar apetites pelo poder. “A única coisa que a democracia pede é que os eleitores permaneçam onde estão por um tempo suficiente para sofrer as consequências dos seus erros” (Runciman). E assim eu espero. E para concluir, lembremos da conhecida frase de Churchill: a democracia é um regime imperfeito, mas foi o que melhor o Ocidente construiu até agora. Por mais polêmica e contraditória que ela possa parecer.
(Texto originalmente publicado no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)