Pesquisa do IBGE, divulgada na última quarta-feira (13/11), apontou que o número de estudantes negros das nossas universidades públicas ultrapassou, pela primeira vez, o de brancos (50,3%). Esta é uma ótima notícia na contramão dos projetos políticos que vem sendo arquitetados pelo governo de extrema-direita para impedir ou esvaziar políticas que promovam a igualdade social, racial e de gênero em nosso país. Para o IBGE, este avanço é resultado, em parte, do sistema de cotas, que desde 2012 reserva vagas a candidatos de determinados grupos da população.
A partir de 2016, segundo regras estabelecidas pelo MEC, ao menos metade das vagas disponíveis no Sistema de Seleção Unificada (SISU), deveriam ser reservadas para atender critérios de renda, cor ou raça. Se analisados em conjunto com os resultados do antigo questionário da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, os dados mostram uma tendência crescente de ocupação de vagas por essa parcela da população.
Para Luanda Botelho, analista do IBGE, isso também é resultado de um processo de universalização do ensino fundamental, correção do fluxo escolar, adequação na série correta, redução do atraso e do abandono. O êxito da política pública de cotas também contribuiu e muito. Mas essa boa notícia não se restringe às universidades públicas. De acordo com o IBGE, nas universidades privadas também houve aumento da presença de negros, em função de programas como FIES e PROUNI. Hoje, eles já são cerca de 46% dos estudantes.
Frei David, diretor da EDUCAFRO e um dos líderes da luta pela igualdade racial no acesso à universidade pública, credita o aumento do número de estudantes negros nas universidades a uma série de iniciativas de movimentos sociais e políticas públicas que vêm sendo adotadas desde a década de 90. O primeiro passo foi a criação dos cursinhos populares criados nos quatro cantos do país, a partir dos anos 90. Com viés comunitário, onde os estudantes tinham aulas gratuitas com professores voluntários, eles possibilitam a entrada de um contingente maior de estudantes negros nas universidades.
Aqui em Ribeirão Preto, o pioneiro dos cursinhos populares foi o CAPE – Centro de Apoio Popular Estudantil – que iniciou suas atividades em 1991 em uma garagem emprestada no Quintino Facci II. Depois dele, surgiram vários outros. Tive a alegria de ser professor de História do CAPE por dez anos. O CAPE colocou centenas de jovens nas universidades públicas em todos esses anos. Muitos deles, depois de formados, voltaram ao CAPE para ministrarem aulas para os outros alunos. Era uma forma de reconhecer e retribuir o que receberam gratuitamente.
Simultaneamente aos cursinhos populares, foi iniciada a luta pelo direito à isenção da taxa do vestibular para os pobres. Em seguida, veio a luta pelas cotas. As universidades públicas não estavam entendendo a maldade que era fazer um vestibular padrão para ricos de escolas particulares e pobres de escolas públicas. Então as cotas foram uma maneira de superar este gargalo. “Foi uma conquista muito difícil, muito suada, via legislação aprovada no Congresso Nacional, mas que conseguiu gerar um fluxo de pobres procurando as universidades
públicas”, afirma Frei David.
“Devemos celebrar esta notícia com muita alegria, mas estamos só começando o processo. A meta é o mesmo índice de alunos que termina o ensino médio na rede pública, que é de 89%, chegar às universidades públicas”, conclui David. Outras pesquisas anteriores já apontaram que o rendimento escolar dos alunos cotistas não é inferior ao dos não cotistas, como queriam fazer crer alguns movimentos contrários às cotas. Aliás, o DEM, partido que tem aqui em Ribeirão os vereadores Fabiano Guimarães e André Trindade, chegou a entrar no STF com uma ação questionando a constitucionalidade das cotas. Mas, para o bem de todos e felicidade geral da
nação, foi derrotado por unanimidade dos votos dos ministros.
(Texto originalmente publicado em 16/11/2019 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)