Este é o título de um artigo espetacular do sociólogo Jessé Souza no site do Brasil 247 na última semana. Lembrando que Jessé Souza é autor de um dos best seller que teve grande impacto naquela opinião pública mais consciente e coerente diante da crise política que se estende em nosso país desde 2015: “ A elite do atraso”. E põe atraso nisso… Mas o autor responde de pronto o questionamento lançado como título: porque Bolsonaro e sua base de poder infensa a argumentos racionais permitem a continuidade dessa verdadeira farsa e inegável embuste em que se transformou a Operação Lava Jato. E completa: a maior parte dos “camisas amarelas” nunca esteve de fato interessada em combater a corrupção. O que, de resto, apenas comprova a tese do falso moralismo do “combate à corrupção”. Mas vamos detalhar todo este processo.
A Vaza Jato descobriu uma verdadeira quadrilha funcionando dentro do aparelho de Estado, usando e abusando de suas prerrogativas asseguradas por lei, não apenas para enriquecimento e vantagens pessoais, mas também como uma forma despudorada de manipular a opinião pública e minar todos os pressupostos da democracia. Por mais óbvio e ululante que sejam os fatos que vem sendo publicados pelo site Intercept e outros órgãos da imprensa, expondo a República a grande escândalo jurídico e político, isso ainda não provocou a perda de nenhum cargo público nem a prisão dos responsáveis. Tudo indica que até lei e o judiciário são seletivos e não se aplicam aos desmandos de Sérgio Moro, Deltan et caterva, muito menos à família Bolsonaro com suas fontes misteriosas de renda.
Jessé de Souza levanta aqui uma tese muito interessante: será que a escandalosa impunidade desses agentes do Estado é que assegura o saque do mesmo Estado e das riquezas nacionais pela elite endinheirada? No caso do nosso país, segundo o articulista do Brasil 247, “como o escândalo da Vaza Jato mostra tão bem, a capa de moralidade não é mera distorção da realidade vivida. Aqui, tal realidade é “invertida” e posta de cabeça para baixo, o que explica o caráter patológico e neurótico para quem vive a conjuntura política atual.” Mas como fica a necessidade de se criar uma capa de moralidade e de falseamento da realidade para legitimar todos esses desmandos? Aí é que está a questão.
Segundo Jessé de Souza, a Lava Jato funcionou como articulação explícita para a verdadeira e histórica corrupção vivenciada tragicamente por nós todos – a da apropriação a preço de banana de empresas públicas por agentes privados. Lembram da Vale privatizada por FHC? Ou não foi isso que dá a entender recentemente com a BR Distribuidora? Os bancos não tiveram uma reunião secreta com Fux e Deltan? Precisa falar mais alguma coisa? Ao que parecia, a questão era que o PT (leia-se exclusivamente: Dilma Roussef) não podia ser mantido no poder para não melar os “bons negócios”. Então, com uma corrupção tão descarada como essa, como ninguém dos “camisas amarelas”, inclusive os de nossa cidade, vai às ruas para pedir que “retorne” a honestidade?
O público de Bolsonaro não precisa de legitimação porque seu protesto radicalizado está baseado em sentimentos irracionais como ressentimento, inveja social e preconceito. Jessé de Souza chega a ser magistral nas conclusões: “inveja e ressentimento contra os de cima, o que explica os ataques à arte, à cultura e ao conhecimento em geral. Também a vingança, há muito esperada, contra séculos de desprezo dos “doutores” contra os remediados entre os pobres, a base real de Bolsonaro, muitos dos quais são brancos e, por isso, se acham no direito “racial” de um futuro melhor do que de fato possuem. Contra os de baixo a raiva se volta para os negros e mestiços pobres que tiveram a ousadia de ascender socialmente no período recente.” É difícil saber o que causa mais revolta entre os bolsominions de carteirinha: a raiva contra os de cima ou contra os de baixo. Esse é seu público cativo de Bolsonaro, os 20% que sempre apostaram nele antes da facada.
(Texto originalmente publicado em 09/08/2019 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)