O presidente Bolsonaro reagiu muito mal à formação de maioria dos votos no STF que definiu a homofobia
como crime, devendo ser tipificado como o crime de racismo, até que o Congresso legisle sobre o assunto.
Seis dos onze ministros já votaram nesse sentido. O presidente afirma que o STF está exorbitando de suas
funções, ao legislar sobre o assunto. Ele se esquece de dizer que, desde a promulgação da Constituição em
1988, há 30 anos, a banda conservadora do Legislativo, capitaneada pela bancada evangélica, vem
travando qualquer avanço dessa discussão. Daí a decisão do STF ao julgar dois processos que chegaram na
Corte.
Mas o pior ainda viria. Em encontro da Convenção Nacional das Assembleias de Deus, Bolsonaro indagou
aos presentes se já não estava na hora do STF ter um ministro evangélico. Ele não perde oportunidade de
insuflar a ignorância dos seus seguidores fieis e proferir discursos em desrespeito à Constituição. A reação
dos ministros foi imediata. A mais contundente veio de Marco Aurélio Mello que advertiu o presidente de
que o Estado é laico: “O importante é termos juízes que defendem a ordem jurídica e a Constituição. O
Estado é laico. O Supremo faz parte do Estado”.
Outros ministros se manifestaram em entrevistas. Todos na linha de que tal questionamento é irrelevante
para a escolha de um magistrado. Celso de Mello foi um deles: “Em uma república laica, é absolutamente
irrelevante a religião que um juiz do Supremo possa ter. Nesse domínio, há de prevalecer sempre, um
comportamento de absoluta neutralidade dos magistrados em assuntos de ordem confessional”. Luiz
Roberto Barroso completou: “O importante é o conhecimento e a integridade. Há juízes com essas
características em todas as religiões ou mesmo sem religião alguma. O Estado é laico”.
Vários especialistas são enfáticos ao afirmarem que a composição da Corte deve levar em conta tão
somente o saber jurídico, a experiência e a independência dos magistrados. Nunca as suas visões pessoais.
Bolsonaro, mais uma vez e de forma arrogante, mistura esferas sociais e políticas que têm autonomia e
espaços institucionais próprios e independentes. Rubens Glezer, da FGV, afirma que Bolsonaro critica o
ativismo judiciário, mas o que ele quer, aparentemente, é que continue legislando, desde que seja com
decisões com que ele esteja de acordo.
Para Dircêo Torrecillas Ramos, livre-docente da USP, a indicação para o STF deve colocar em primeiro lugar
o notório saber jurídico do indicado. O jurista destacou que a função do magistrado não é decidir de acordo
com suas convicções pessoais, mas de acordo com a legislação em vigor. “Se alguém vai para o Supremo,
tem que decidir de acordo com a Constituição. A posição pessoal vale, mas o que vai defender é a lei. Tem
que decidir de acordo com o direito, não com a sua formação, com a preferência religiosa”, disse.
Bolsonaro joga para a plateia, principalmente para os 15% dos seus eleitores iniciais, antes da facada. E
neste púbico, sabemos que boa parte são evangélicos fundamentalistas. O projeto de poder político dessa
corrente, aliás muito semelhante à ideia medieval do Império cristão herdada pela Igreja Romana dos
antigos romanos, está no horizonte de Bolsonaro. Mas o Evangelho de Jesus Cristo nada tem a ver com
projeto de poder político. Malafaia, Edir Macedo, Waldomiro Santiago e outros, que vem sustentando o
discurso anti-cristão de Bolsonaro, estão a anos-luz de distância do Evangelho.
E para terminar, segundo ainda o Prof. Ramos, algumas das indicações recentes ao STF tiveram um positivo
impacto na representatividade do Tribunal e foram reconhecidas pelo seu saber jurídico e independência,
como Ellen Gracie, a primeira mulher a ser ministra do STF, indicada por Fernando Henrique, e Joaquim
Barbosa, o primeiro negro, indicado por Lula. “A indicação é pelo que a pessoa sabe da lei, pode ser de
qualquer religião. Cabe ao Senado, se houver um abuso, rejeitar na sabatina o candidato. Se o Senado
rejeita, ele não pode ser nomeado”, disse.
(Texto originalmente publicado em 8/6/2019 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)