Deixamos em suspense, no nosso último artigo, a data de fundação de Ribeirão Preto. Afirmamos que nem Osmani Emboaba da Costa nem Plínio Travassos dos Santos (ambos historiadores) tinham razão nas datas que propuseram. Voltamos hoje ao assunto para esclarecer melhor os nossos leitores. Na verdade, tanto a data de fundação quanto o lugar onde a cidade começou acabaram se transformando em longas polêmicas que persistiram até pouco tempo.
O debate sobre a “fundação” da cidade
O dia 19 de junho é considerada a data de fundação porque, nesse dia, em 1856, o juiz Rodrigues Mendes, de Casa Branca, despachou favoravelmente ao pedido de demarcação das terras do patrimônio da Igreja, feito por Manoel de Nazareth Azevedo, nomeado pelo bispo para cuidar dos bens eclesiásticos. Essas terras haviam sido doadas, três anos antes, por seis proprietários da fazenda Barra do Retiro. Mas o problema está justamente no que se entende por “fundação”.
Plínio Travassos dos Santos afirma que “a rigor, pode-se considerar a fundação de Ribeirão Preto como tendo sido feita em 1863, data da escolha definitiva do local (dentro das terras do patrimônio), feita pelo Pe. Manoel Eusébio de Azevedo, para a construção da capela que serviu posteriormente de primeira matriz, parecendo ser mero engano o assentamento do livro do Tombo da antiga matriz, quando diz que a “actual povoação teve início em 1853”. (SANTOS, s/d; p., 27, nota 3).
Muitas cidades no Brasil comemoram sua “fundação” a partir de um ato jurídico que deu forma institucional à comunidade: criação oficial da freguesia (paróquia), da vila, da cidade. Outras a comemoram com base no ato voluntário dos chamados “fundadores”, que doaram parte de suas propriedades para a formação de um patrimônio eclesiástico onde foi construída uma capela que acabou dando origem à cidade. Osmani Emboaba da Costa e a Câmara Municipal de 1956 assim o entenderam, pois precisavam demarcar o ano de 1956 como a data do centenário.
Agora, a nossa posição...
Acreditamos que, como a grande maioria das nossas cidades, Ribeirão Preto teve “formação espontânea”. Ao arrepio de atos jurídicos, e mesmo independente da vontade de alguns que queriam ver surgir ali uma povoação, e era o caso, a origem do povoado se deu de forma natural e espontânea muito antes da construção da antiga capela/matriz da praça XV (o que teve início somente em 1863). Portanto, não cabe falar em uma “fundação” como ato jurídico propriamente dito.
Mas a documentação pode bem surpreender aquela formação espontânea. Na lista de qualificação de eleitores de São Simão de 1857, encontrada no Arquivo Público do Estado de São Paulo, na capital, é especificado um lugar chamado de “Arraial de São Sebastião”. É isso mesmo: em 1857, já existia o arraial. Portanto, essa equivocada “fundação”, entendida como origem de um aglomerado humano, deve ser entendida de forma diferente de como entenderam Osmani Emboaba da Costa e Plínio Travassos dos Santos. E tinha razão o livro do tombo da Catedral!
Hoje, tudo indica que esta questão está definitivamente resolvida. Citemos um documento judicial de 1856 chamado “Ação de Desforço” de Manoel Fernandes do Nascimento e Luiz Antônio de Oliveira contra Antônio José Teixeira Júnior e sua mulher, pedra angular de Ricardo Barros para comprovar a existência do arraial desde 1853, e onde encontramos textualmente “construíram algumas pessoas do povo, não embargadas, uma capelinha e algumas casas no mesmíssimo lugar beneficiado e destinado para a povoação na Barra do Retiro”. Tratava-se do primeiro ajuntamento de casas em torno de uma capelinha.
Então, o marco zero…
Mas onde ficava este lugar? Na atual Praça Barão do Rio Branco, onde temos a Prefeitura. Temos um documento que o comprova? Sim. O próprio Emboaba da Costa cita um documento de 05/08/1882 de Abdenago do Nascimento pedindo à Câmara que lhe concedesse um terreno no pátio da matriz e no quarteirão em que existia a “antiga capelinha”, visto a enorme extensão do pátio da matriz e deficiência dos terrenos do patrimônio para aforamento. Nascia o quarteirão onde temos hoje o Museu de Arte de Ribeirão Preto e temos certeza de que o marco zero está fora do lugar.
(Texto originalmente publicado em 27/06/2020 no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, SP)
_____________________________________________________
Conheça melhor o professor Lages, autor deste texto: https://www.professorlages.com.br/perfil/
Leia o primeiro artigo dessa série: https://www.professorlages.com.br/ribeirao-164-mitos-e-verdades/
Acesse gratuitamente mais textos sobre a história de Ribeirão Preto: https://www.professorlages.com.br/historia-de-ribeirao-livros/