Uma das figuras mais irrequietas no alvorecer de Ribeirão Preto foi José Borges da Costa. Era um homem de desvairada ambição. A princípio, seu nome se liga inquestionavelmente às nossas origens e ele aparece inúmeras vezes nos registros da sua época. Neto de portugueses e filho de outro do mesmo nome, ele nasceu em Campanha, sul de Minas, em 1793. Casou-se quatro vezes. Seu primeiro casamento foi com Maria de Nazareth, com quem teve quatro filhos. A partir de 1825, ele e vários membros da sua família já aparecem citados nos recenseamentos da capitania de São Paulo. Eles formaram a fazenda Águas Claras, próxima a São Simão. Seja como for, eram “entrantes” mineiros, como foram chamados na documentação oficial da época.
Sempre em rusgas por disputas de herança
Acompanhar este José, nas suas andanças, escaramuças e inventários, é reconstituir uma verdadeira epopeia no limiar da história desses vastos sertões. Por exemplo, pelos seus casamentos que foram quatro, como já contei. Tudo indica que esses enlaces eram meticulosamente planejados com viúvas-fazendeiras, donas de grandes heranças. Nesse sentido, foi amealhando uma fortuna fabulosa durante a vida. Sua própria fazenda original, conquistada por posse no vale do Tamanduá, ficava próximo de onde os irmãos Reis de Araújo – Matheus, Vicente e Manoel – formaram a sua fazenda da Figueira, cuja sede centenária ainda existe no município de Serrana.
Na verdade, conhecemos grande parte da história deste José através de vários inventários, de que foi ora beneficiado, ora vítima! Quando seu pai faleceu em 1835, entrou em várias desavenças com alguns dos seus irmãos e cunhados por conta da divisão de herança. Por outro lado, quando morreu sua segunda esposa, Maria Felizarda, que foi viúva de Manoel dos Reis de Araújo, teve como desafeto o marido de uma das enteadas, Matheus dos Reis de Araújo, também por conta da divisão da herança. Eles nutriam verdadeiro ódio um do outro e chegaram às vias de fato, tendo José Borges denunciado Matheus por lhe ter disparado um tiro!
Um quarto casamento aos 68 anos!
O réu se defendeu apresentando testemunhas e fatos a seu favor. Acusou o padrasto de usar todas as pressões e artifícios para convencer a ele a sua mulher de irem morar em sua casa, com o intuito de apoderar-se de seus bens. Afirmou o próprio Matheus: “sendo este homem de uma desvairada ambição, parece que até queria apoderar-se dos poucos bens que ele (Matheus) possuía por herança de seus pais”. Em outras palavras, são inúmeras as intervenções de José Borges em diversos inventários, de parentes ou não, sempre procurando levar algum tipo de vantagem, o que ocorria quase sempre! Sem dúvida, José Borges era um homem de desvairada ambição!
Casou, pela terceira vez, com Ana Flauzina do Carmo, já viúva, filha de um rico fazendeiro da região. Este terceiro casamento não durou nem dois anos, pois em 1860, ele já estava novamente viúvo. Há indícios sérios que se casara com a mulher moribunda… No inventário que se seguiu, José Borges ficou com quase toda a fortuna da família, já que seu sogro, já viúvo, morreu pouco antes da sua mulher… Mas este nosso José ainda teve um quarto casamento aos 68 anos! Foi com Leonor Nogueira Terra, de poderosa família de latifundiários. Com ela, teve mais quatro filhos! Eita fertilidade (!?)
Acabou tendo o seu próprio inventário…
José Borges da Costa faleceu em 18 de dezembro de 1867, na sua fazenda do Retiro, que se tornou toda sua por compra que fizera a Manoel dos Reis e por ter se casado com sua viúva! Ele foi enterrado no cemitério nos fundos da capela de São Sebastião, na atual Praça XV. Afinal, acabou tendo seu próprio inventário que pode ser encontrado no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto. Seu espólio, com dez fazendas, foi calculado em 33.952$200 (trinta e três contos, novecentos e cinquenta e dois mil e duzentos réis). E ainda mais 6.129$270 de dívidas a receber de 51 devedores! Uma fábula para aqueles tempos!
Resta lembrar que José Borges foi doador de uma pequena gleba para a constituição do patrimônio de São Sebastião de Ribeirão Preto em 1853. Já escrevemos sobre isso no artigo anterior. Por fim, uma disposição do testamento de Maria Felizarda, sua segunda esposa, deixou para a construção da capela de São Sebastião a quantia de 360$000 (trezentos e sessenta mil réis). Isso é que tornou possível o início da sua construção. Mesmo assim, só depois de muitas rusgas, protelações e confusões de inventário, sempre por causa da “desvairada ambição” de José Borges da Costa.
O jornal Tribuna publicou originalmente este artigo na sua edição doa dia 02 de julho de 2022
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